por: Kalu
Uppdate: Quero fazer a devida correção sobre o donos das frases deste texto. O fato é que recebi, há 2 anos o texto que citei no post como sendo de Leonardo Boff, mas ele é do Dr. Ricardo Jones, obstetra e grande ativista da humanização do nascimento. Apenas uma frase do texto era de fato de Leonardo Boff. Olha que sou cuidadosa com isso, mas escapou.
Uma nova modalidade de parto está sendo vendida pelos obstetras. A tal cesariana humanizada. "Você não sente dor, estará anestesiada, mas pode escolher a trilha sonora, estar em um ambiente mais tranqüilo com luz suave e, sendo possível, o bebê mamará na hora do nascimento". Tudo muito lindo mas o fato é: não existe cesárea humanizada.
Maximilian, obstetra colega do Dr. Ricardo Jones, consagrou a frase "Humanizar o nascimento é restituir o protagonismo à mulher". Logo não existe cesárea"humanizada" exatamente porque não há protagonismo. Ela pode ter feito uma escolha mais gentil, mas ainda sim está à mercê da técnica e da assistência do deus médico que a atende. Trata-se de uma cesariana mais "humana"por ser mais "gentil e respeitosa", muito embora se a mulher não está em trabalho de parto, acredito ser uma grande violência e desrespeito ao tempo da natureza e do bebê.
Quando falamos em humanização propomos um resgate do parto sem medicamentos, sem intervenções, em que a mulher assume a responsabilidade e o poder inerente a este ato. Cesariana é cirurgia e no conceito retórico da humanização ela não tem como ser humanizada, pois a mulher pode até participar do ato de trazer a vida, mas como coadjuvante do processo, mesmo quando bem indicada.
Na contramão, o imaginário coletivo da dor e sofrimento do parto se dá pela prática do parto vaginal desumanizado e desumano. Ou seja, a mulher foi igualmente impedida de tomar qualquer decisão sobre seu corpo e tratada de forma rude e grosseira ou mesmo violenta.
Ricardo Jones vai ainda mais fundo num fabuloso artigo sobre o tema definiu: "Humanizar o nascimento é colocar a mulher como condutora do processo; tornar o parto "humano" é tornar a assistência mais suave, gentil e adequada. Entretanto, uma atitude gentil pode ocorrer até mesmo em partos desumanizados (sem protagonismo)".
Às vezes eu me pergunto porque as mulheres se sentem ofendidas quando digo que cesárea não é parto. Talvez a resposta seja por conta do conteúdo erótico envolvido no nascimento. Parto é uma continuidade da vida sexual de uma mulher. Não sou eu quem afirma e sim pesquisadores, obstetras, pensadores e antropólogos. Pense num parto: contrações, fluídos e gemidos. Isso é o erotismo pulsante e vivo que permeia este momento sagrado e profano da mulher.
Por essa força visceral dizer que cesárea não é parto é o mesmo que explicitar que uma mulher deixou de viver sua parte mais erótica e instintiva. Isso é verdade e dói. No entanto ninguém é mais mulher por ter tido um parto normal. Mas o evento do nascimento ou não nascimento pode nos transformar profundamente.
Falar do próprio parto é falar de sexo, da intimidade, de competência feminina. Quantas doulas, obstetras, enfermeiras não nasceram militantes do movimento de humanização depois de uma cesárea? Mas o que as difere de alguém que escolheu e se deixou seguir pela maré tecnocrata em relação a quem se questionou, inundou-se de consciência e descobriu o que havia perdido, necessariamente ou não? Elas fizeram de sua dor um fio para tecer uma pérola e oferecer ao mundo a capacidade de empoderar-se.
Esse é o ponto da humanização do nascimento e maternagem: empoderamento. Empoderar-se em relação ao parto é saber o quanto existe de realização e transcendência no ato de parir. É iluminar os medos coletivos e lembrar que foram os homens que inventaram as dores lancinantes de parto, apenas para fazer valer sua técnica e seus aparatos tecnológicos.
Podemos enganar muitos por algum tempo, poucos por muito tempo. Mas não todos por todo tempo. E dia a dia, mais e mais mulheres acordam da inconsciência e fazem do nascimento humano um momento deslumbrante e sagrado, para a construção de uma nova sociedade de paz.
Na generalidade, o que há de opção para as mulheres são caminhos desumanos, nos 2 sentidos: partos normais humilhantes e violentos ou cesarianas alienantes, "limpas e seguras". Mas nosso papel é construir o que ainda não existe: promover, para mais pessoas, independentemente da classe social, um parto digno, bonito, prazeroso, carinhoso e afetuoso. E neste momento permitir o nascimento de uma nova mulher empoderada que nunca mais aceitará que seu corpo e vida sejam decididos por outro alguém.
Como traduz Ricardo Jones: "Lutamos contra a objetualização e coisificação da mulher, seja numa cesariana ou num parto vaginal. (...) Somos visionários que enxergamos o nascimento como ATO REVOLUCIONÁRIO e libertário, que se opõe ao sexismo do patriarcado abrahâmico castrador, e que oferece uma nova visão para o porvir da humanidade, onde os nascidos de mulher serão acolhidos com amor. (...) Precisamos nos dedicar a uma tarefa muito mais complicada e difícil do que simplesmente baixar nossas taxas de intervenção: necessitamos criar a "nova mulher", liberta dos grilhões do patriarcado e longe do revanchismo do antigo feminismo antropofágico. (...) oferecer às gestantes e parturientes o suporte afetivo, espiritual e emocional que foi a marca de nossa ancestralidade, e aquilo que nos define como 'humanos´, que é a capacidade de cuidar dos semelhantes".
Precisamos empoderar as mulheres, no sentido mais profundo deste verbo inexistente.
Empoderar-se é reconhecer que há uma força maior dentro de cada ser
Assumir a responsabilidade por quem se é e para onde se quer chegar
Aposentar de vez a culpabilidade pelas coisas não serem como gostaríamos
Segurar as rédeas dos cavalos selvagens e conduzí-los para uma direção
Empoderar-se é solitário
Dolorido, muitas vezes
A gente descobre o tanto que deixou a jangada seguir
Atribuindo ao outro o fruto da vida.
Empoderar-se é escolher um novo caminho
com as 7 camadas rompidas ou o períneo mutilado.
Descobrir e honrar o movimento sagrado
num novo parto, no parto do outro.
Empoderar-se é destruir castelos de areia
Com ondas enormes de consciência
É tapar os ouvidos para a palpitaria
Fechar os olhos para aquilo que já se conhece
E ouvir o silêncio amorfo da esquecida voz da intuição.
Empoderar-se é assumir o poder interior
Abrir a vela do barco e reconhecer que o vento
Sempre sopra para direção certa.
É ser o diretor das escolhas
E protagonista do estrelato
Nunca coadjuvane da história.
Empoderar-se é saber onde se quer chegar
E descobrir meios como fazê-lo
Mesmo e principalmente quando a maré puxa para lado oposto.
Empoderar-se é saber que cada passo é uma grande viagem
Crer em si, em seu corpo perfeito, nos processos naturais
e fazer do nascer e maternar a grande revolução humana.
(Kalu Brum)
Olá!
Mudamos de endereço.
Você pode nos encontrar em www.blogmamiferas.com.br a partir de agora.
10 comentários:
Ah Kalu, como sempre diz tudo e de um jeito tão lindo e sutil que me faz arrepiar toda!
Eu tentando escrever sobre mulheres empoderadas no meu blog, mas acho que não cheguei nem perto!
Um dia eu chego lá!
Mas parir é maravilhoso, lindo TRANSFORMADOR! Não tem como continuar a mesma depois de todo um processo que é quase um ritual de união (assim como o bebê precisou de dois, pra parir, a dois é bem melhor) e de passagem, de recepção do novo membro a este mundo!
E não tem como não sentir que vc pode tudo depois de dar a luz!
Bjo!
clap clap clap! Mais uma vez, maravilhoso, Kalu!
Agradeço todos os dias por ja ter tantas informaçoes e ja estar conscientizada com relaçao ao parto e a maternidade ativa, antes mesmo d engravidar! Minhas chances d q td saia do jeitinho q eu quero, soh aumentam!
Mto obrigada!
Beijos!
Kalu é uma amiga querida do movimento de humanização de BH. Pariu em casa, amamenta o filhote de 3 anos, e é uma deusa com a pena na mão, embora escreva no teclado. Tem dias que escreve como quem fala com anjos, às vezes cutuca a onça com vara curta, mas por isso faz pensar. Incomoda pessoas que sentem a carapuça entrar até a alma. Leiam e sintam o poder da deusa em suas palavras.
Bj, Daphne
Kalu,
sou de bh, mas moro em Araraquara. tenho no histórico uma cesárea e um parto domiciliar. e pra conseguir isso precisei empoderar-me. passei de ignorante a ativista do parto natural. com o apoio de minhas doulas e amigas, escrevo um blog pra contar nossas histórias de empoderamento... (http://empodere-se.blogspot.com)
lindo demais seu poema sobre empoderar-se e gostaria de publicar lá... vc autoriza?
abraços,
luiza paim
Kalu, cesárea não é parto, mesmo!De jeito nenhum! É cirurgia e é nascimento, tem o amargo e o doce...
Eu digo que tive uma cesa humanizada por falta de um termo melhor. Foi horrível passar por cesa, mas a consciência de que poderia ser muito pior, mais alienante, mais desumana, leva a classificar assim. Cesárea necessária, mãe em TP, muito respeito e carinho da equipe, mentalizações para o bebê, para o processo ser menos violento... Talvez eu chamasse de cesárea respeitosa ou consciente, consciência da minha parte e da parte da equipe. Foi humana no melhor sentido possível nesse tipo de situação, e não no pacote música e peito, embora tenha havido isso...
Matou a pau com esse post, Kalu!
Kalu,
Muito profundo este seu texto.
Adorei tudo, desde os dizeres de Leonardo Boff até a sua poesia.
Temos que parar e reavaliar alguns termos usados pelas pessoas e deixar claro que uma cesárea desnecessária não é humanizada só porque o médico cria um clima agradável.
A cesárea só deveria acontecer mesmo em último caso, depois que a mulher já estivesse em trabalho de parto e quando for inevitável que seja de forma digna, com apoio e com respeito.
Vamos continuar incentivando o parto natural sem intervenções pois é este o melhor caminho para nos sentirmos mais fortes e poderosas.
Um parto natural com respeito ao nossos sentimentos e escolhas é realmente humanizado.
Lídia
Lindo esse post. Lindo!
Cada vez me apaixono mais e mais por esse blog.
Impressionante.
Meu parto foi humanizado e foi lindo. Intervenção zero. Só eu e minha filha.
Lindo.
Lindas, nós duas nascendo: eu nascendo pela segunda vez.
Nosso parto foi lindo.
Obrigada pelo post.
Beijos,
Luana
Oi Kalu...Depois de ler seu post, posso dizer que tive uma cesária desumana!!! Meu filho mais velho nasceu de parto normal....um momento magico...pode-lo amamenta-lo nos primeiros segundos de vida...olhar pra ele e toca-lo todinho.... inesquecivel. Já na minha segunda gestação...tive contraçoes por tres dias seguidos, perdi meu tampão e comecei a perder liquido, então fui ao hospital e nada de dilataçao, fizeram um map do coraçaozinho dele e ele estava em sofrimento fetal.... entao fui preparada as pressas para uma cesária e nem sequer consegui absorver a idéia... entao apos a anestesia, já em posiçao de cristo na cruz, comecei a chorar, pedi por favor ao meu marido pra me tirar dali...sem sentir nada, sem saber de nada...nao tinha dor pra medir o termometro do nascimento...nao sentia nada da cintura pra baixo e uma sensaçao de impotencia muito forte começou a tomar conta de mim, chorei tanto tanto, com certeza foi o momento mais triste que já vivi, nao consegui me sentir completa e realizada...e quando ele finalmente foi tirado de dentro de mim, eu nem sequer pude segura-lo.... nao consegui nem beija-lo, o que apenas agravou meu estado de choradeira....então~, o que posso dizer é que nao existe cesária humanizada.... Mas as vezes não temos escolhas... hj ele é lindo e muito amado, mas não gosto de lembrar do dia que ele nasceu...Foi muito traumatico pra mim e imagina pra ele que tava no quentinho ser tirado assim do casulinho dele!!! Mas passa...Lindo post
Meu amor, parece que vc fez Pathwork por uns 10 anos para elaborar tal texto. Mas náo, vc veio pronta e Eu, sortudo, te achei. Te amo.
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