por: Flávia Penido (Mamífera convidada)
Está na hora do jantar. Ok! Vocês venceram. Bacon, ovos e salsichas. "Uau, Que delícia!" Exclamam as crianças, dando pulinhos em volta da mesa e fazendo som de índio em um ritual maluco cheio de euforia. Lavam suas mãos sem nem mesmo pedir. Não posso evitar um sorriso. Não consigo deixar de notar o olhar estranho de meu marido. Ou será que estou imaginado coisas?
Ufa! Estou exausta e angustiada na mesa. Sirvo as crianças e me pergunto como cheguei a esse ponto. As crianças vão comendo, se esbaldando. A mesa está um clima alegre, as crianças descontraídas conversam alegres com o pai. Mas eu fico suando a camisa só de pensar na quantidade de gordura e na falta de vitaminas que essa refeição exibe. Nem me falem de qual tipo nojeiras são feitas as salsichas!
Não é que me sinta culpada se às vezes as refeições não são saudáveis... Bom, sim, eu me sinto culpadíssima, e tenho a ligeira impressão de que tem um monte de vozes e dedos que apontam na minha direção. “Ai não enche!” Empurro com toda força esse Superego lá para o lugar desagradável de onde ele vem.
Procuro me concentrar na conversa animada das crianças. Olho para cada um deles. Observo como são bonitos. O nariz de pintinhas de minha filhinha me preenche de ternura. Meu marido escuta atentamente o que as crianças lhe contam, mesmo se tem atrás das costas um dia complicado de trabalho e um monte de problemas por resolver.
Isso me comove tanto! Logo, penso em como ele é querido, e como meu cabelo está desgrenhado. Olho envergonhada para as pantufas delirantes que estou usando, notando ainda como minhas unhas estão eternamente por fazer. “Bolas! Lá vem a culpa novamente!” Empurro com mais convicção ainda para bem longe esses pensamentos.
Sinto saudades das papinhas bem feitas, dos legumes feito no vapor, das crianças comendo toda a papa sem me perguntarem o que era. Eu estou pagando pela língua arrogante. Minha caçula nunca gostou de minhas sopinhas, e o primeiro prato que ela realmente adorou foi um espaguete à bolonhesa bem picante!
Eu que no auge de minha pretensão estava convicta que criança aprende a comer de tudo através do exemplo e da oferta que tem... Ledo engano! As crianças têm suas próprias papilas gustativas! Cada filho que eu tive veio quebrar mais alguns paradigmas me transformando em uma pessoa melhor, mais tolerante.
Para que vou contaminar o ambiente familiar com minhas frustrações quanto ao ideal de mãe e mulher que eu construí? Quero relaxar e aproveitar a refeição alegremente sem as reclamações de todo tipo: “Isso eu não como, este eu não gosto, assim é duro, assado é sem graça.”
Para que sobrecarregar as relações com expectativas ingênuas que tendem a ser impossíveis de se atender? Vou desfrutar deste momento por inteira sem me deixar acossar pela mãe que eu pretendo ser. Eu sou apenas uma mãe de carne e osso diante da aceleração do mundo moderno.
A alimentação da família é apenas uma faceta da criação dessa família, chega de rabugices! Por favor, não me entendam mal. É claro que vou continuar com a paciente tarefa de colocar brócolis no prato do meu filho para logo em seguida por acaso das circunstâncias encontrá-lo na boca do cachorro. Eu não desisto nunca, mas todo mundo precisa de descanso.
Apenas escrevi tudo isso para lembrar a mim mesma e a vocês leitores que continuaram até aqui, que a maternidade traz uma imensa liberdade para quem for capaz de ser mãe no espaço e tempo do presente, ao invés de estar nas saudades do passado ou no desejo do futuro. Se livrar das ilusões de Ego que nos amarram, para viver plenamente a vida como ela é. Para mim a maternidade trouxe a possibilidade de me sentir linda sem nem mesmo ter tido tempo de verificar se a depilação está em dia! Quanta liberdade!
Então para terminar nosso jantar em família. Todos dão uma gargalhada gostosa ao ouvir a piada que meu filho dispara. Nisso meu marido olha para mim, estende o braço e, me puxando para perto, me dá um beijo. Eu realmente vivo tudo o que preciso nessa vida!
16 comentários:
Muito bom!!
Me lembrei de uma recente saída a um restaurante com meu filhote de 1 ano. Antes de sair de casa alimentei-o devidamente com um prato de comidinha super saudável e caseira, mas chegando no restaurante não é que ele se atracou com meu sanduíche?
E era um sanduíche de baguete, com picanha defumada, tomate seco, gruyere e alho... e nada de eu conseguir tirar o sanduíche da boca dele. Acho que ele estava dizendo: mamãe! Eu preciso de um pouquinho de sal e tempero! (até então não punha nada de sal na comida dele).
É, de vez em quando a gente tem que dar um chute na culpa e aproveitar. Por nós e pelos pequenos =)
Adorei o texto!
Bju gde =*
Nossa, que engracado..
Quando eu casei, tive que comecar a comer bem, mudar meus habitos..nao gosto de verdura..meu marido nao come nada de comida congelada, mas o bom eh que ele cozinha bem.
Sei cozinhar, mas nao tenho tanto prazer quanto ele tem na cozinha..
Sei q qdo os pequenos chegarem terei q cuidar deles 10.000x melhor do que cuido de mim..
Vou lembrar de nao ter culpa tbm..
bjs
rsrsrs...
Vc fez eu me lembrar do meu fim de semana.
Estou na tarefa de ensinar minha filha comer um pouco de tudo (verduras e legumes)
No sábado, ela (Sofia, 4 anos) veio e pediu: Mamãe, por favor, eu só quero salcicha misturada "assim ó", com ovo, maionese e katchup.
Olhei pra ela e não resisti. "Hoje é sabado, hoje pode". E fiquei de longe vendo-a comer feliz da vida o seu ovo com salsicha com maionese....rs
Seu texto me fez lembrar que preciso "me livrar" do meu maior algoz: eu mesma! Puxa, como eu me cobro! Tenho que dar mais chance ao meu id, hahaha!
Flavinha! Adorei isto:
"Cada filho que eu tive veio quebrar mais alguns paradigmas me transformando em uma pessoa melhor, mais tolerante."
Amo essa doula! Beijos!
Lindo o texto. Me vejo sempre imaginando como vai ser com minhas crias, e acho q é "saudavel" sair da linha depois q eles sao amiorzinhos algumas vezes, como resistir a um pedido com tanto amor? =)
parabens pelos filhos
A parte dos cabelos desgrenhados e das unhas esternamente por fazer...me identifico totalmente,kkkkkk.
É sempre bom relaxar às vezes coma comida,afinal,o mundo está oferecendo isso todo instante e nossos filhos vão querer experimentar(e gostar,quissá?)os fast foods da vida.
Vc,inspiradíssima,como sempre,parabéns.
bjks
Nossa Flávia, vc arrasou!
Alguém me falou outro dia que a palavra mãe e culpa não se dissociam nunca. Me sinto assim muitas vezes, mas tenho tentado pensar diferente, afinal ser mãe é bom demais e vicia!!!
Bjkas,
Carol (da Luna)
Adorei o texto. As vezes a gente precisa se libertar um pouco e fugir mesmo da rotina, do certo, do supercerto. Assim a gente dá uma folga para a gente e para os filhos e faz com que o dia a dia seja mais gostoso. Voltar para o certinho fará bem a todos, já que experimentaram a puladinha de cerca da alimentação ... rs!
Amei demais o texto.
Eu vivo balanceando a alimentação naquela teoria legume+carboidrato+carne em doses moderadas e verdura à vontade. Mas admito que é uma maravilha encher o prato de macarrão e comer com vontade e sem culpas.
A beleza da vida está na simplicidade: na maternidade, na mesa, num beijo carinhoso. Amei o texto Flávia, um beijão pra ti.
Muito bom, Flavia! E adorei esta frase sábia:
"a maternidade traz uma imensa liberdade para quem for capaz de ser mãe no espaço e tempo do presente, ao invés de estar nas saudades do passado ou no desejo do futuro."
Inspirador Flavia!!
To começando né.. é bom saber que a culpa ronda as cabeças das maes em geral.. é melhor saber que faz parte jogar ela pra cima vez ou outra...
bjs!
Ai, Flavia, que texto delicioso e lindo! Identificação total com o esforço de manter o equilíbrio entre a responsabilidade e a neura... Rodrigo fez 4 anos na terça passada e sabe o que pediu de presente? Pra ir ao Mc'Donald's comer hamburguer e batata frita. Primeira vez na vida!!! Foi, comeu metade do sanduba e quase toda a batata, enquanto o pai acompanhante comeu quarteirão e passou mal a noite toda! Foi ruim pro Edu, mas a desculpa perfeita pra adiar o retorno, afinal, "não faz bem pro papai" ;-)
Quero ir te ver numa roda, quando estiver em SJC: o Vicentino Aranha é bem do lado da casa da minha mãe!!!
Beijos.
Que bom que gostaram mulheres! Rir sempre faz bem! eu me diverti muito escrevendo. Tinha certeza que muitas mulheres se identificariam, com esse quotidiano brincando de equilibrista! Deixem a culpa arrumar a mochila e viajar sozinha ela já está bem grandinha! kkkkk
bjs
Nossa, esse texto me deu um alívio! Não sou a única que me possui um alterego muito mala!
Cara, quando eu ainda estava grávida, um dia sonhei que , por acaso, eu encontrava um livro intitulado "A maternidade de mariana portella (eu)". Imaginem só...Eu abro o livro aleatoriamente e cai numa página que tem uma única frase. Está escrito em letras garrafais "Você vai se cobrar". Dá para acreditar?
Amei o texto, foi bem legal ter lido sobre isso, aqui.
Grande beijo
Postar um comentário