por: Tata
"mundo velho e decadente mundo /ainda não aprendeu a admirar a beleza / a verdadeira beleza, a beleza que põe mesa e que deita na cama / a beleza de quem come, a beleza de quem ama / a beleza do erro do engano da imperfeição..." *
Agora há pouco, 'zapeando' pela tv a cabo, vi um pedaço de uma reportagem que me deixou estarrecida. A matéria falava sobre uma cirurgia que está se popularizando na China. O objetivo? Deixar as pessoas mais altas. Fiquei abismada de ver a descrição do procedimento, que além de caríssimo, é extremamente invasivo e doloroso. E mesmo assim, a procura por ele tem se revelado cada vez maior.
Depois de desligar a tv, fiquei pensando na pressão absurda dos dias de hoje, forçando-nos a nos violentar para corresponder a um padrão. Sofrer para atingir uma beleza idealizada, inexistente. Mutilar-se para ser igual aos outros.
Tenho muito medo do mundo em que minhas filhas viverão, daqui a alguns anos. Quando eu era criança, as cobranças nesse sentido existiam, sem dúvida, mas eram bem mais suaves. Pensem nos padrões de beleza de alguns anos atrás... mulheres mais curvilíneas, de cores, tipos de cabelos variados, eram consideradas igualmente bonitas. Tinham espaço na mídia, eram admiradas. Hoje, se folheamos uma revista ou assistimos a um programa de tv, parecem todas saídas da mesma forma: o mesmo cabelo liso escorrido, a mesma magreza, quase a mesma expressão. Como se fossem todas manequins produzidas em série.
Hoje, as cobranças recaem sobre as crianças, especialmente sobre as meninas, cada vez mais cedo. Desde muito pequenas, elas são estimuladas a não ganhar peso, a manter o corpo magro das modelos de capa de revista. Muitas vezes, vem das próprias mães as neuroses que vão ganhando força em suas pequenas cabecinhas: com menos de dez anos de idade, já estão pintando as unhas, alisando os cabelos, carregando na maquiagem, preocupadas com depilação.
E a avalanche de procedimentos médico-cirúrgicos, implante disso, remoção daquilo. Fico especialmente indignada quando ouço alguém defendendo tais intervenções sobre a bandeira da autoestima: 'é importante, para a pessoa ganhar confiança...'. Ora, desde quando transformar-se para poder gostar de si é autoestima?? Autoestima é a gente se olhar e se aceitar, com as qualidades e defeitos que todos temos. Autoestima é curtir até mesmo nossas imperfeições, olhar para si com leveza, como quem cantarola a canção de Paulinho da Viola: 'eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assim...'.
Com tudo isso, quem se lembra do que há do lado de dentro? Quem se lembra de dizer a essas meninas que a beleza mesmo, de verdade, aquela que importa, vai muito além de um bumbum durinho, um seio empinado, uma barriga sequinha, uma cabeleira sem fios fora do lugar?
Lembro de, há uns anos atrás, ter visto emocionada uma campanha de TV que falava sobre mostrar às nossas meninas que há beleza nos mais variados rostos, nos mais variados tamanhos. Há beleza nos fios enrolados, curtos, negros ou avermelhados. Há beleza nas curvas arredondadas, nas bochechas roliças. Há beleza nos rostos sardentos, nos olhos cobertos por grossas lentes, nos lábios assimétricos. Acho que deveríamos falar mais disso. Da importância da gente se aceitar, gostar do que se é. Não que nossas filhas, um dia, não possam mudar as cores do cabelo, pintar a boca, perder ou ganhar peso. Mas é importante que elas saibam que não precisam. Que nada disso vai mudar o que elas são, do lado de dentro.
Eu quero muito ensinar isso às minhas meninas. Que elas podem e devem defender seu direito a ser o que são. Que elas são lindas, e serão amadas sem precisarem de molde para isso. Que a beleza do ser humano está na sua singularidade, e no fato de que, do lado de dentro, não há um único ser que se repita.
E que beleza não tem nada a ver com perfeição. Beleza é outra coisa, mais além. E quando ela falta, não tem bisturi nem salão de beleza que dê jeito.
Imagem: http://www.eb2-miranda-douro.rcts.pt
5 comentários:
ARRRASOU! O nosso corpo, do lado de fora é muito do que temos do aldo de dentro. Os tímidos costumam ter os ombros fechados, as bundudas, lordose. Há queira mudar de dentro para fora e isso para mim é deformação. é caber numa forma que é ditada. Falar com nossos filhos sobre a beleza, não adianta. É preciso sentir dentro, aprender a reconhecer o belo em si, nos outros, em toda parte. E isso é algo que não se fala, se inspira. Essa inspiração não se ensina, um dia a pessoa acorda, ou não.
Excelente texto, Re!
Também quero ensinar pra Lelê que o nosso corpo é passageiro. Devemos cuidar bem dele, com certeza, mas que o que vale mesmo é o nosso interior. É o que temos no coração que vamos levar dessa vida, e não as cirurgias plásticas que tornam o corpo "perfeito".
Sabe, muita gente me diz pra eu colocar silicone e tal. E eu respondo "pra quê? É uma cirurgia, envolve riscos, dói... só pra ter seios maiores? Não, obrigada, estou contente com o corpo que tenho, aquele que me foi presenteado". E quero sim transmitir isso pra Lê e pros outros filhos que vierem.
O mundo hoje está deturpado... e temos que ensinar nossos filhos o que realmente importa na vida.
Beijos!
Nossa, Tata, q missão! Sou mulher, mas não sou muito vaidosa, sou básica e me sinto muito bem comigo mesma. Tenho um filho e estou grávida de 7 meses e teu texto descreve exatamente meu susto quando soube que nossa surpresinha era menina. Interessante que estas cobranças são bem menores em relação ao sexo masculino; até existe, mas não com tanta exposição. Espero que a gente consiga inspirar nossas meninas com muita paz e sabedoria pro que realmente é belo nesta vida.
Daniela
É CLARO que temos que falar disso com os meninos tbém, mas eu acredito que com as meninas seja mais importante, visto que somos nós quem recebemos mais cobranças internas e externas. É nossa responsabilidade de mulheres e mãe evitar que as crianças sigam essa alienação doida. Afinal: a sua beleza é bem maior do que qualquer beleza de qualquer salão
;-)
kalu, tá certíssima, um exemplo vale mais do que mil palavras, né não?
fulvia, é isso mesmo, em um mundo com tantos valores tortos nossa responsabilidade de fazer com q nossos filhos vejam de forma diferente é imensa... tarefa importantíssima!!
D*, tenho certeza q vc com a tua menininha trilhará um belo caminho para que ela cresça gostando de si e sabendo que não precisa se moldar nem ser igual a ninguém...
mari, com certeza as cobranças são mais cruéis com as mulheres. mas é importante também a gente ensinar nossos molequinhos a enxergar a mulher como algo mais que um corpo sarado... taí uma responsabilidade imensa das mães de meninos!!
bjo bjo bjo
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