por: Mariana Tezini, mamífera convidada
Outro dia, meu companheiro me disse que eu quero tanto um parto natural que se meu próximo parto for assim, eu vou gostar mais desse filho do que do Caetano. Tivemos uma longa conversa sobre isso e percebemos aí duas esferas diferentes: a chegada do Caetano e o meu parto. Eu não gostei do parto, mas logicamente amei a vinda do meu filho.
Vou explicar: tínhamos um plano de parto domiciliar. Esse plano foi seguido até o limite, meu e do meu filho, e me entreguei à cirurgia que naquele momento se mostrou necessária, não sem antes tentarmos todos os recursos cabíveis. Porém, a frustração e a pergunta: “por quê?” são inevitáveis.
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Caetano nasceu por meio de uma cesariana que está em processo de cicatrização física e emocional. A frase muito ouvida: “o importante é que ele está bem”, traz uma estranha sensação de ambigüidade. Se por um lado é maravilhoso ver meu filho bem, por outro o parto, que era um momento muito planejado e esperado por mim, teve um desfecho ruim. Essa frase ainda parece negar toda a minha busca por um parto natural e um nascimento com respeito e carinho para meu filho. Sei que o caminho construído até aqui não se perdeu, pois apesar da importância do parto para mim - que significa um belíssimo ritual feminino e poderoso e não só a chegada de um bebê – a maternidade não é resumida à via de parto.
Aos poucos, a sensação negativa vai diminuindo, afinal minha cesárea não teve o peso da cesárea desnecessária, irresponsável, precipitada, supérflua, que reprime. Sem pressa, vou encarando essa frustração, e agora estou tentando enfatizar o positivo do processo todo: ele escolheu chegar na hora dele, e nós fizemos de tudo pra recebê-lo da melhor maneira possível. O nascimento tomou um rumo diferente do planejado e nem por isso desanimamos na nossa jornada, continuamos a oferecer as melhores escolhas pro nosso filho: logo ao nascer ele não tomou nenhuma injeção e nem pingaram colírio em seus olhos. Não ficou longe de mim. Ele mamou na primeira hora e por mais 6 meses exclusivamente, e continuará nessa livre demanda até quando quiser. Dormimos juntos, slingamos e damos muito colo.
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Eu tive um processo de busca, informação, questionamento e autoconhecimento referente a gravidez e ao parto que a cirurgia não vai apagar. Depois de tanta transformação, vou aprendendo a olhar a cicatriz e não lamentar, mas sim compreender e aceitar que é inerente uma dose de imprevisibilidade nesse evento, que eu não posso controlar todas as etapas do parto como planejei e que ainda assim toda minha busca não foi em vão.
Se antes do Caetano nascer eu já era defensora da humanização do parto, depois que ele nasceu eu virei uma militante, até meu trabalho seguiu novos rumos para abrigar essas questões. São frutos doces que colho dessa história. A minha cesárea me proporcionou um novo olhar sobre essas questões.
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Meu filho, Caetano, nunca vai ficar vai ficar pra trás! Caetano sempre vai ser o meu primeiro filhote, esperado, desejado, amado. Eu não quero substituí-lo por um bebê que nasça de parto natural. Eu quero sim outro parto, quero sentir a passagem de um bebê pela minha vagina e quero ser protagonista do nascimento. Visto que ficou um vazio, vazio esse que um novo parto vai ajudar a curar, mas não vai me fazer esquecer. E se cada parto é uma possibilidade, um mistério, eu tenho certeza que um dia terei uma nova história para contar.
Imagem: www.gettyimages.com.br
12 comentários:
Mari,
Sabe que meu primeiro parto foi cesárea e por falta de informação e de questionamento, o que dói demais.
Ter um VBAC é libertador.
Acho que os partos são o que devem ser naquele momento de nossas vidas, sempre trazem algum ensinamento. Seja o parto normal ou a cesárea.
Ter essa abertura emocional para rever, compreender e crescer com isso tudo é fundamental...
O amor pelos pequenos não aumenta o diminui. É amor.
Adorei o post! Lindo!
Beijos com carinho!
Só quem é mãe pra saber que o amor por um filho nunca muda, só aumenta...
E já falei em outros comentários, mas vou repetir aqui, que admiro profundamente mulheres como vc, pois acompanhei virtualmente seu TP, lembro que foi longo, estávamos na torcida, esperando o desfecho, e quando veio a notícia, lamentamos com vc, pelo parto que vc não pode ter, mas fica a admiração pela doação, pois sofrer uma cesárea realmente necessária como a sua é o ato de amor de uma mãe que passou por todo processo doloroso e maravilhoso do trabalho de parto, mas que não pôde parir para salvar a vida do filho, e isso não tem preço!
Bjos com admiração e parabéns pelo texto!
Cath da Laura
Me sinto exatamente da mesma forma. Confesso que já tive várias vezes a dúvida de seu marido, achando que eu não poderia ter um filho de parto natural com medo de acabar rejeitando inconscientemente o Benjamin por causa da maneira que ele veio, mas não funciona assim... Tambám já pensei que talvez eu quisesse outro PARTO, não outro filho, mas esse pensamento também já foi embora.
O meu trabalho também seguiu novos rumos para abrigar as questões da humanização do nascimento. Nós somos um bando de mulher arretada!!!
Beijão!
meninas,
eu tive um primeiro parto cheio de questões. embora tenha sido normal, saiu muito do planejado (natural domiciliar), e as intervenções me doeram na alma por muito tempo. logo após o parto, minha vontade de ter mais um filho era pra ter mais um parto, uma outra chance, uma experiência diferente. mas o tempo passou e eu engravidei novamente quando queria um outro filho mais ainda do que queria outro parto. e o segundo parto veio, maravilhoso, intenso, interio e redentor. e me fez olhar para o meu primeiro parto de outro modo, com mais carinho, como um passo da caminhada. um passo importante, fundamental. porque a renata que pariu a chiara em casa não existiria sem que a renata de antes tivesse parido ana luz e estrela, no hospital, depois de transferência e com todas as intervenções. nossa história é nossa história, e tudo o que vem é pra fazer a gente aprender alguma coisa. nada, nada nessa vida passa em branco, tudo a gente pode moldar e transformar em experiência boa, de aprendizado.
agora, o amor. o amor que senti por minhas três meninas aninhadinhas no meu peito, ainda sujinhas de vérnix, tão pequeninas e tão preciosas, é igualmente imenso, igualmente devastador. e a cada filho que chega, a gente reinventa, multiplica o amor. cresce pra onde a gente nem imaginava que podia crescer.
mari, vc é uma pessoa (já leu 'persona', da clarice?). tenho orgulho de ter parido pau a pau (!) contigo, de que nossos filhotes tenham chegado ao mundo tão juntinhos, fazendo do dia 24 de maio pra sempre um dia tão especial. nossos gêmeos de mães diferentes... :-)
bjos emocionados por essas lindas palavras
Lindo!!
é isso aí, Mariana. o amor pelos filhos independe da história do parto. por isso vejo o ativismo pelo parto natural como a divulgação daquilo que a nossa cultura tornou segredo: que parir é bom, prazeroso e feliz.
a história do seu próximo parto será um presente para a vivência do Caetano, que trará desde cedo esta referência de como nascer é tão legal.
melhores vibes!
Lindo texto!!
Eu acredito na importancia de um parto mais humanizado possível. (Adoraria ser militante também, se pudesse levar o assunto de uma maneira um pouco menos pessoal).
Mas acima de tudo acredito na importancia de uma maternidade mais humanizada. No desejo de criar nossos filhos com amor e respeito. E que bom que a tua cirurgia, apesar da pequena parcela de frustração, não te desviou do caminho e toda tua busca, com certeza não foi em vão, porque este texto prova o contrário. Que o tempo ajuda a transformar a sensação negativa em exemplo de superação e de aprendizado a lidar com as doses de imprevisibilidade da vida.
Adorei o post!!
beijos
Amei, Mari...
O Caetano nao trouxe o parto natural, mas foi ele que te fez mãe e isso jamais será esquecido.
Mto legal seu processo de autocura.
Bjs admirados!
Amei, Mari...
O Caetano nao trouxe o parto natural, mas foi ele que te fez mãe e isso jamais será esquecido.
Mto legal seu processo de autocura.
Bjs admirados!
Tive uma desnecesárea. Por mais que quisesse muito um parto normal, não lutei o suficiente por falta de informação. Deixei que um médico cesárista me levasse para uma mesa de cirurgia.
Inexplicavelmente para alguns e as vezes até para mim, guardo ainda muita dor daquele parto. Ainda não consegui escrever meu relato de parto, é como se fosse aquele dodoi que a gente não quer que ninguém toque para não magoar. A dor é tanta que lendo este e outros textos chego a chorar. Algo muito além da consciência nasceu naquela cesárea.
No meu processo, 8 meses depois da cesárea ainda desejo um novo parto mais do que um novo filho.
Ainda estou aprendendo a lhe dar com a cicatriz da alma, aprendendo a trilhar um novo caminho, me preparando para abrir um livro de parto natural. Sentir a dor e sonhar com o meu momento de vivenciar tudo aquilo muito mais madura.
PS: Se alguém tiver alguma sugestão de um livro que aborde um assunto, me indiquem. carolinalube@gmail.com
Mari, adorei seu texto!! A Lê tb veio ao mundo por cesárea, mas a ferida ainda dói muito por ter sido por falta de informação, e não necessária.
Planejamos ter outro filho, ter outro parto e, num primeiro momento, fiquei com receio de querer outro parto, e não outro filho; de gostar menos da Letícia se o próximo nascer de um jeito que desejo muito, mas todos esses medos já são passado: não quero outro parto apenas, quero outro filho (ou outros, quem sabe?); não deixarei de amar a Lê, ela é única, ela me deu o presente de ser mãe.
Adorei seu texto, parabéns!!! E espero encontrar vcs de novo, mas não no restaurante só, né?! risos
Beijos!
Mariana.
Me identifiquei bastante com teu texto. Sei o que é viver esse turbilhão emaranhado de sentimentos que vão desde a felicidade imensa em ser mãe até a frustração e a dor de sofrer a violência que é uma cirurgia. E é bem complicado administrar isso ao mesmo tempo, ainda por cima ouvindo toda o tipo de palpites... Assim como tu, ainda estou em processo de cicatrização física e sobretudo emocional. Ler esses relatos, dividir isso com outras mulheres que sentiram o que eu senti tem ajudado bastante. Mas como eu costumo dizer, a cicatriz na pele é o de menos pq é a cicatriz na alma que dói mais. E Penso muito na razão de eu precisar ter passado por isso (acredito que tudo no universo tem um motivo), aos pucos acho que estou descobrindo, mas é um processo longo e lento.
Obrigada por dividir tua experiência, teu texto me ajudou a avançar mais um degrau nesse processo.
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