O parto é nosso

Por: Kalu

Quando a acácia está repleta de flores amarelas que decoram um lindo céu azul de fevereiro, começo a me lembrar, detalhe por detalhe, do dia em que meu filho chegou a este mundo.

Uma terça feira de carnaval, uma cidade vazia e eu isolada, como um bicho, no meio do mato, apenas com meu marido, esperando que Miguel encontrasse sua hora exata de nascer, de acordo com as estrelas e cometas, que fizeram este menino doce e sensível que corre para todos os lados enchendo a casa de vida.

Maurício, meu marido, nasceu como pai, assim como eu nasci como mãe: na surpresa, morando cada um em um estado diferente, com pouco tempo de namoro, ele curtindo o filho apenas no fim de semana.

Minha idéia primeira era que meu filho nascesse em São Paulo, porque temia a ausência da minha mãe para me ajudar nos primeiros dias (ou meses de vida). Mas tal decisão era um medo de aceitar que minha vida iria mudar violentamente: além de nascer como mãe, teria que parir a esposa e companheira. Confesso que ser mãe foi muito mais fácil do que parir a idéia de ser esposa, e ainda é.

Pois então, depois de um chá de bebê fracassado, de ouvir tantos palpites furados, deitei no colo do meu marido e disse: quero que meu filho nasça lá em casa. O quarto dele estava quase pronto, mas isso pouco me importava. Eu estava era parindo a idéia de parir em casa.

Comecei a dizer ao Maurício que queria que nosso filho nascesse na casa de parto Sofia Feldman, um hospital do SUS, referência em nascimento natural em Belo Horizonte. A idéia de SUS e todo preconceito contra este sistema fez com que ele refutasse a idéia e depois de uma visita ao local foi nosso lugar escolhido. Lá na casa de parto, tudo imitava o lar. Meus finais de semana, a partir da 33ª, eram para planejar o parto. Chamei uma doula para nos visitar em casa, porque sabia que seria fundamental no caso de um atendimento na Casa de Parto, pois ela poderia garantir que minhas vontades descritas no plano de parto seriam cumpridas.

Essa doula deu para meu marido um livro que mudou a visão dele sobre o nascer: nascer sorrindo, de
Frederick Leboyer, que descreve o nascimento do ponto de vista do bebê e todo o desrespeito que é cometido na hora que este pequeno ser chega ao mundo. Depois de se emocionar com a fantástica narrativa poética, ele ficou mais confiante de que o parto natural seria o melhor para mãe e filho.

Depois de aceitar o parto natural na Casa de Parto, comecei a pensar na idéia de ser domiciliar. Afinal a casa de parto fica do outro lado da cidade, a no mínimo 40 minutos de casa. Li relatos de mulheres falando do incomodo das contrações no carro. Em contrapartida sempre tocou meu coração a doçura e força das mulheres ao relatarem sus partos domiciliares.

Chamei as enfermeiras para uma visita aqui em casa. Passamos uma tarde tirando dúvidas sobre o parto domiciliar, sobre possível transferência, em que circunstancias isso aconteceria. Mas o que elas afirmavam é que era uma gestante de baixo risco, com bebê cefálico, dentro do peso (critérios dela). A lista de compras para o parto em casa era um plástico para forrar a cama, álcool absoluto, toalhas e lençóis limpos. Muito simples. A minha segurança foi deixando Maurício mais e mais seguro. E o valor do parto estava bem dentro do nosso orçamento.

Uma semana antes tive um alarme falso: contrações em 5 em 5 minutos que duravam mais de 20 segundos. Indolores, mas as enfermeiras resolveram passar a noite e nada.

No dia 20 de fevereiro, uma terça de carnaval, comecei a perder o tampão, resolvi chamá-las para uma avaliação. Contrações em 5 em 5, indolores. Elas vieram, mediram as contrações, me acharam muito tranqüila, como estava no meu plano de parto, pedi para não ser tocada. Elas foram embora e eu fui dormir.

Por conta deste episódio coloquei na minha cabeça que só as chamaria se algo mais evidente acontecesse, como o rompimento da bolsa.

Maurício, quando eu falava do parto ele me dizia: não sei se quero assistir, não decidi qual será meu papel.

Eu respeitei porque sabia que o parto era meu e estava feliz por ele apoiar minha decisão por um parto domiciliar, desconstruindo vários mitos interiores.

E assim foi. A bolsa rompeu às 17h, eu estava com contrações ainda indolores até este momento (das 15h as 17h). Meu marido chamou as enfermeiras. Eu fui tomar um banho. Senti vontade de vomitar e vomitei.

Voltei para o banho e senti vontade de fazer coco. Sentei no vaso: senti uma contração forte, uma segunda, a terceira e a cabeça do Miguel corou. Nestas contrações gritei, meu marido chegou e eu o expulsei. Foram segundos em que tentei racionalizar o que fazer: pegar uma toalha, agachar para o bebê não cair. Neste momento a enfermeira chegou e me disse: calma, ainda está começando. Sei lá porque tinha colocado na minha cabeça que estava preparada para 36 horas de trabalho de parto. Aí pensei que se a dor do parto era aquela, que estas mulheres eram loucas de agüentar tanto.

A enfermeira viu a cabeça do Miguel coroada. Caminhamos rápido para o quarto, Maurício pegou o plástico, estendeu na cama. Um banco. E mais uma contração, em pé, as 17h57, Miguel nasceu pesando 3.750 e medindo 53 cm. O cordão foi cortado pelo pai, depois de parar de pulsar e após uma longa mamada.

Naquele dia nasceu uma mãe que descobriu que não precisava de ninguém para cuidar do seu filho. Que enfermeira é para cuidar de doente e bebês precisam de uma mãe descansada e peito. Nasceu um pai que viu todo o parto e se emocionou ao segurar um pequenino no colo e cortar o cordão que nunca se desfaz.

Nasceu um menino que foi chamado de Miguel Narayan, um pisciano do primeiro dia, com ascendente em Leão. E desta família a paixão pelas escolhas naturais que nunca saíram de cena da nossa história.

Por esta e outra digo: o parto é nosso e através da estrada da nossa confiança construímos a jornada dos nossos companheiros para nos apoiarem a escolher o melhor lugar para se nascer, crescer e florescer.

À você, meu amor, meu reconhecimento pelo pai que nasceu e renasce em cada nova fase do Miguel.