Chegou o convite para a festa de aniversário da filha de uma amiga de meu marido. A menininha completava seus 8 anos, deixando para trás sua primeira infância. Escolhi um quebra-cabeça, brinquedo que amava brincar nesta idade.
Minhas festas de criança eram grandes acontecimentos. Nada de buffet, salão de festas, animadores. Eram na minha casa mesmo, mas contavam com a ajuda de todos os familiares. Minha mãe fazia um lindo bolo, minha empregada a coxinha, avó a bolinha de queijo e docinhos. Meu pai comprava brinquedos para os brindes e organizava mil brincadeiras: dança da cadeira, estourar balão com o bumbum, morder a maça vendado, colocar rabinho no burro, corrida do saco, equilibrar o ovo com a colher. Era uma diversão barata e inesquecível.
Na festa em questão me impressionou as meninas de seus 8 a 10 anos na janela falando sobre maquiagem. Todas tinham as unhas pintadas de rosa ou vermelho, estavam com batom e algumas tinham sombra nos olhos. Em um canto isolado, uma área coberta com uma pano preto, luzes de danceteria e tecno rolando. Os meninos, de 8 a 10 anos, disseram:
- Não tem uma menina 'da hora' para a gente catar.
Havia a distribuição de plumas, óculos e outros enfeites 'de balada". Além de pintarem os cabelos das meninas para ficarem mais fashion. A mãe da aniversariante disse que as meninas fazem competição da festa mais legal (leia, com mais atrativos). Contou também que desde 6 anos sua filha vai à festinhas e ama dançar "funk". A frase do Darcy Ribeiro me faz um grande sentido: vivemos um tempo em que nossas crianças dançam como se tivessem fazendo sexo.
Pausa... Deixa eu gritar!!!! ONDE É QUE VAMOS PARAR???
Como pais podem achar que isso é normal? Uma menina de 6 anos indo a uma festa, dançando funk, chegando meia noite em casa? É uma infância roubada, uma sexualidade precoce, uma vida adiantada. O que será da adolescência destas crianças? E da vida adulta? Se já se preocupam com a aparência, se usam salto e não podem correr, se já são azaradas pelos meninos aos 7 anos, quando serão crianças de verdade?
Assistindo ao documentário "Criança, a Alma do Negócio" podemos entender um pouco deste processo de nossa sociedade que transformou a infância em um grande negócio: pais que trabalham dia e noite, crianças o dia todo na escola ou com empregadas em casa expostas mais de 4 horas por dia á televisão, morando em pequenos apartamentos sem área de lazer. Ligadas na TV, o desejo natural é substituído pelo desejo de consumo. Consumindo ela tem o passe de entrada para determinado núcleo em que pode se destacar.
Antigamente a valorização eram das aptidões: o menino que sabia jogar bola, a menina que dançava bem, o contador de piadas eram aqueles que atraiam os olhares de todos. Hoje a coisa mudou de lado: aquele que tem o melhor celular, a roupa mais cara, o sapato da moda é quem é valorizado.
As meninas não mais querem bonecas para maternar e sim bonecas para projetar suas personalidades. No condomínio da minha mãe prestei atenção em umas meninas brincando com suas barbies. Juntas decidiram que a barbie da fulana ia ser a empregada porque era a que tinha menos acessórios. A menina saiu chorando e as demais continuaram a brincadeira de desfile de moda. Se as brincadeiras da criança constróem sua realidade e expressam seus desejos, podemos perceber qual o rumo que nossa sociedade está tomando.
Há quem me diga que crio meu filho numa bolha por limitar o acesso dele à televisão, por não deixar dar a ele brinquedos eletrônicos, por valorizar brinquedos de madeira, de montar, encaixar e atividades ao ar livre, como rolar o morro, brincar de água no quintal, jogar bola.
Em colégios Waldorf há uma grande preocupação com o não-uso de marcas: em roupas, sapatos, mochilas, lancheiras, canetas não pode ter referência à personagens. E o acesso à computador e principalmente televisão é condenado.
Na minha opinião esta é uma tentativa de salvar a infância. Não se adianta a alfabetização, cria-se espaço para a criança ser criança e desenvolver sua imaginação sem ter personagens prontos. Não se sexualiza preocemente, não se pula uma fase importante da vida. Acredito que em outras linhas educacionais há este cuidado com a preservação da infância.
Enfim, fico aqui a refletir, desejando do fundo do meu coração que pais e mães passem a questionar o modo de nascer de seus fihos, o modo de crescer, não desejando que sejam independentes cedo demais. Que a infância seja resgatada e não transformada em uma adolescência precoce em nome do consumo. É isso que busco oferecer para meu pequeno. Como disse Gandhi, devemos ser a mudança que queremos para o mundo.
E vocês, o que pensam sobre o assunto?
Imagem: Arquivo pessoal - Miguel(2) e Andreson(5) brincando no quintal de casa
14 comentários:
Nossa Kalu! De todas as mensagens que eu li do blog, esta é a que mais me chamou atenção. Eu sou professora e trabalho com adolescentes de 14-16 anos. Eu fico tão preocupada qd vejo que esta fase deles seja tomada pelo sexo, prazeres e moda. Imagine o que eu penso sobre a infancia roubada! Lembr0me de qd eu tinha 8 anos: eu era crianç, vestia-me como tal e brincava de correr, pular corda, subir em arvores, pique-pega, etc. Hj eu fico abismada qd vejo meninas que nem sabem o que é isso. Já trocam e-mail, falam ao cel, tem orkut. Não que eu seja contra isso, mas acho que deve-se haver limites. Pois devemos curtir junto com nossos filhos esta fase de infancia, pois passa tão rápido. E tenho certeza de que nós mães é que sentiremos a maior saudade dos filhos ainda criança. Eu pretendo rolar no chão com meu filho, brincar de bola, correr, pular, e fazer td o que eu tenho direito. Quero curti-lo o máximo, pois o amo tanto que quero estar ao lado dele tb nestas hs.
Um abração.
Erika (mãe), Eduardo ( 46 dias)
Oi Kalu, escrevi pra vc sobre a nova brincadeira do Miguel, lembra? E quanod penso no Caetano (que tá pra nascer), esse é o assunto que mais me faz refletir...aonde é que vamos parar? Tenho amigos que assim como vc escutam a frase: "vc cria seu filho numa bolha!". Sabe o que eu espero??? Que um dia tenha tanta criança nessa maravilhosa bolha, mas tanta, que todas as bolhas explodam delicadamente, silenciosamente....quem sabe um dia não seja "estranho" ver um menino com a arma do desenho em punho ou "esquisito" ver uma menina de 4 anos de salto alto!
Grande beijo e continuo sonhando em rolar naquele morro ;-)
....MT sou eu, Mariana!
Oi Erika, você é professora de quÊ? Já pensou em fazer estas brincadeiras de criança na sua sala de aula?
Mariana, também espero o o mundo exploda de meninos de bolhas como essas...rs
Beijos e obrigada pelos comentários.
Oi Kalu!
Também tenho medo dessa criação de hoje em dia, de como as crianças deixam de ser crianças tão cedo... Apesar do meu filho ser bem pequenininho ainda, eu e meu marido já concordamos em "embolhar" ele. Optamos por não ter tv em casa, morar mais no interior, comidinha mais natural possível, etc... e, apesar de saber que é o melhor para ele, ouço críticas do tipo "tu não vai conseguir evitar que ele tenha contato com isso" ou "ele vai crescer!", óbvio que vai crescer e vai ter contato com tudo isso, mas ao menos ele teve a opção de ser preservado enquanto podia, ele poderá escolher quando crescer, mas o que será que ele escolherá sendo criado mais ao ar livre??? Será mesmo que é necessário computadores, tvs, video-games e esse monte de coisa que não acrescenta nada para uma criança ser feliz??? A carinha dos meninos brincando na água já respondem...
Beijinhos e vamos "embolhar" o mundo!!! :D
Lívia, mamãe do Uriel (10 meses e meio)
Kalu,
Reflexão importantíssima!
Quero uma bolha dessa para os meus bebês também!!!!!!!
Kalu:
Fiquei tocada com as tuas palavras.
Estou grávida de 35 semanas e tenho lembrado muito da minha própria infância (feliz). Tenho 31 anos e cresci um tanto quanto preservada de certas coisas, até pela postura da minha família, especialmente minha avó e meu avô paternos(agradeço muito aos dois).
Concordo contigo plenamente, Acho mesmo um absurdo essa erotização precoce e a falta de opções mais saudáveis para lapidar a personalidade e o caráter de indivíduos que são a semente do nosso amanhã (minha avó sempre diz que a criança de hj é o adulto de amanhã que ensinará outras crianças...).
Se eu tiver que criar a minha filha numa bolha, vou criar. Meu marido concorda comigo, tenho amigos com filhos pequenos e que partilham da mesma idéia, de modo que a nossa Alice já crescerá cercada de amiguinhos mais ou menos na mesma sintonia. Sei tb que serei muito criticada por algumas pessoas, mas francamente não me importo nem um pouco :) É bom que os pequenos saibam fuçar em máquinas, entendam o mundo que os cerca e adquiram sua independência (nunca precocemente, claro); mas melhor ainda é que tenham valores elevados, enxerguem as pessoas pelo que elas são e não pelo que possuem e aprendam desde cedo a conviver e respeitar as diferenças e cuidar do planeta em que vivemos.
Acredito que as crianças "descontroladas" que hj vemos são fruto de pais que não souberam impor limites tampouco lidar com o fato de educar outro ser humano, possivelmente pq não tiveram isso em casa e/ou tentam compensar ausências e traumas próprios com uma permissividade prejudicial aos próprios filhos.
Cresci ouvindo minha tia (que é professora) dizer: "educar é tentar fazer o outro um ser humano melhor do que eu", e acredito nisso.
Vamos "embolhar" o mundo como disse a Livia!!!! ÊÊÊÊÊÊE!
Engraçado que as pessoas dizem: "vc cria seu filho numa bolha!", querendo dizer que limitamos e os deixamos fora da realidade, por isso essa discussão para mim é tão importante, pois quem sabe quem não está na bolha sejam justamente crianças hipnotizadas pela TV, pelos conteúdos artificiais dos alimentos industrializados (que comprovadamente fazem mal pra saúde corporal e emocional), pela sexualização precoce....Quem sabe não está criando seu filho numa bolha, aquelas crianças que não sabem como é uma galinha, uma vaca, ou como no documentário, não sabem o que é um chuchu!!!
Bem, quero refletir muito sobre isso ainda, mas de uma coisa tenho certeza, quando estamos em sintonia com alguma coisa atraimos coisas semelhantes ao nosso redor, tomara que eu encontre esses leitores mamíferos daqui pra juntos criarmos a nossa super bolha ou quem sabe sairmos dela juntos?
Abraços esperançosos
Mariana
Sabe, Mariana, como dizem alguns grandes amigos que tenho (e foi por causa da convivência com eles que arejei minha cabeça para muitas coisas, entre elas o parto sem intervenções): as pessoas que nos acusam de criar filhos presos em uma bolha é que são as verdadeiras prisioneiras (sob vários aspectos).
Vivem presas numa "matrix" (fazendo alusão ao filme - acho a alegoria perfeita). Vivem a vida que assimilaram ser correta sem qustionar a razão. Ficam imersos numa alienação que seria engraçada se não fosse algo com conseqüências trágicas (a DESeducação das suas crianças - nosso futuro).
Quem vive na bolha são eles, nós já conseguimos enxergar o caminho para a saída, cada um da sua maneira.
:)
Kalu, ao ler seu post que, o qual, concordo em gênero, número e grau lembrei-me que antes de ontem eu estava voltando da casa da minha mãe com a Kamila quando ouvi pela primeira vez a música do Gilberto Gil chamada "Os pais" que acho que completa bem a sua dissertação a respeito da infância roubada com uma bela crítica a educação dada pelos pais de hoje. No entanto, a letra é acompanhada por uma melodia bem leve, tipo reggae, que acho que deve ter sido proposital para não pegar muito pesado na crítica, na verdade bem mordaz, que ele faz à sociedade atual, principalmente a esses pais tão preocupados! Achei genial! Pra quem não conhece, aí vai a letra e o link para escutar:
"Os pais, os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais!
Por isso não acham nada demais
Na semi-nudez de todos os carnavais
Na beleza estonteante e tão natural
Da moça que expressa no andar provocante
A força ondulante da sua moral
Amor flutuante acima do bem e do mal
Os pais, os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais
Por isso não podem fugir do problema
Maior liberdade ou maior repressão
Dilema central dessa tal de civilização
Aqui no Brasil, sob o sol de Ipanema
Na tela do cinema transcendental
Mantem-se a moral por um fio
Um fio dental! "
http://www.gilbertogil.com.br/sec_discografia_obra.php?id=630
Aliás, gostaria de acrescentar que neste sábado, aqui no prédio, vai acontecer a festinha de primeiro ano da Kamilinha!!! Eu mesma montei a decoração e posso dizer: FOI UMA DELÍCIA FAZER TUDO ISSO!!! Infelizmente não consegui fazer o bolo natureba que eu queria, mas mandei fazer num lugar natureba, com açúcar demerara, não vai ter outros docinhos...rs... quem quiser que reclame e eu explique o motivo...rs... E fiquei tão feliz fazendo tudo isso para a minha Kamila que sei que vou querer fazer sempre! Buffet?? Personagens prontos, esteriotipados?? Tô fora e a Kamila tbm! Para qdo ela estiver maiorzinha eu e ela vamos bolar o tema da festa e vamos trabalhar juntas com as avós, papai, toda família para esse grande acontecimento que só desperta nossa criatividade, só une a família e traz alegrias... não quero mesmo nada de festa pronta, enlatada! Quero que a minha energia de amor esteja em todos os cantinhos da festa do ser que mais me fez amadurecer em espaço tão curto de tempo, então faço tbm por gratidão! É isso aí... acho que estamos certas!
Beijos a todas!
Meninas,
Muito obrigada por todos os comentários que fizeram este pot ficar completo, profundo. A música do Gil realmente foi um lindo complemento.
Beijos
Essa é uma preocupação que tenho, de como criar meus filhos nesse mundo estranho, de como passar pra eles o valor das coisas, o respeito pelas pessoas e principalmente, que as pessoas valem pelo que SÃO e não pelo que TEM. Regulei TV o quanto pude (mais não deu, o pai é viciado). Mas nunca comprei um brinquedo que fosse arma, nem um desses tecnológicos (nem carrinho de controle remoto. Os que ele ganha, dou).
Tenho muita preocupação com esse estímulo desenfreado pelo consumo.
Quando era pequena, tudo era dividido com irmãos e primos, tranquilamente. Brinquedo novo, no aniversário e no Natal, e às vezes, quando estávamos doente.
Aqui em casa, a gente faz o que pode, principalmente muita conversa, muita explicação pra tudo e princicipalmente, muito aconchego e amor.
Gostei muito desta matéria, escutei sua entrevista na CBN e anotei rapidinho seu blog. Sinto tanta saudades da minha infância, brinquei muito na rua, nos parques, na casa de meus avòs e tios. Tenho 3 filhas, e ensino-lhes a curtirem a infância com brincadeiras e jogos, minha filha caçula tem 4 anos e na minha casa debaixo da escada tem um espaço que eu falei para ela montar sua casinha de brincar, tem caminha, foguãozinho, pia e um monte de bonecas que ela veste, com suas roupinhas que não servem mais. O mundo de hoje está cada vez + fútil,sem conteúdo e diminuindo os valores essenciais para uma vida feliz em família. Cabe a nós mães do agora e futuras, ensinar nossos filhos a serem crianças simplesmente, a usarem a imaginação para criarem uma infância alegre e sem medos.Nossos filhos são reflexos do nosso espelho!
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