por: Fabiana Jardim, mamífera convidada
No semestre passado, depois de observar o gosto das crianças ao cantar e encenar milhões de vezes "A Linda Rosa Juvenil", a professora do Rodrigo decidiu trabalhar com eles, neste semestre, o mundo dos contos de fada.
Honestamente, apesar de contar histórias para o Rodrigo quase todos os dias, nunca tinha contado esses contos clássicos – Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Os Três Porquinhos, Rapunzel... talvez porque nunca tenha topado com nenhuma edição bacana, que me fizesse achar que valia a pena. E aí, sem o livro, acabava não contando.
Bom, mas então começou o semestre e o Rodrigo começou a falar mais do Lobo Mau. Que o Lobo Mau está no quarto, que o Lobo Mau foi na escola e comeu as crianças, que ele está com medo do Lobo Mau... ao mesmo tempo, ele começou a chorar quase todos os dias na hora de ir para a escola e também a me pedir, temeroso "mãe, não vai embora de mim!". Eu sabia que estava acontecendo alguma coisa, mas não conseguia localizar bem o que. Afinal, várias mudanças têm acontecido: ele decidiu ir dormir na cama dele, está em processo avançado de desmame natural... passos difíceis e importantes pra criaturinha.
Vai daí que na semana passada tivemos uma reunião com o Coordenador da escola. Confesso que fui desprevenida, achando que ele falaria de temas gerais, sobre currículo, propostas pedagógicas e tal. Porém, antes mesmo da reunião começar, alguns pais começaram a perguntar sobre os contos de fada, sobre como que era, como não era, e o medo do Lobo. Aí acendeu uma luzinha vermelha na minha cabeça, né? "Olha! Será que os contos de fadas estão mobilizando questões que eu não estou sacando?".
Durante a reunião, o Coordenador – que é muito bacana – foi explicando que os contos de fadas mobilizam mesmo algumas fantasias infantis, ajudam a dar nome a medos e a sensações, que o Lobo Mau pode ser muitas coisas, que as crianças poderiam passar a ter pesadelos por um tempo... nada muito técnico, bate-papo mesmo. Mas eis que começa uma segunda rodada de dúvidas dos pais, já não mais sobre os contos de fadas, mas sobre coisas reais: violência, morte, ausência. Olha, posso ter viajado na maionese, mas vou arriscar dizer que os pais é que estavam com medo do Lobo Mau...
Saí de lá tão esgotada e ao mesmo tempo com a cabeça tão a mil por hora. E fiquei pensando: que raio de Lobo Mau é esse que os pais tememos?
Acho que desde quando a gente engravida – mulheres e homens, tá? -, a gente passa viver continuamente a tensão entre o que controlamos e o que não controlamos, entre o planejado e o inesperado, no fundo: entre a morte e a vida.
A gente planeja uma gravidez e, às vezes, um aborto inesperado vem dizer que ainda não era a hora. Ou, ao contrário, a gente faz tudo direitinho, mas a menstruação atrasa e a linha cor-de-rosa confirma a vida nova. A gente sonha um filho lindo e perfeito, e de repente, já lá no ultrassom, a característica que nos deixa com a pulga atrás da orelha. A gente sonha um parto tranqüilo e natural, e de vez em quando a natureza nos dá um susto e temos que lidar com uma cesárea...
E depois de tudo isso, o filho chega em casa e a gente tem que todo dia construir uma nova interpretação sobre o que aquela coisinha pequena tenta dizer, quase sempre aos berros. E os planos indo por água abaixo quando, a cada dia, a cada fase, o que valia deixa de valer e eles decidem que a rotina tem que ser de outra maneira.
Enquanto eles estão pertinho da gente, debaixo na nossa asa, as preocupações existem, mas são restritas àquele mundo da casa: será que ele vai cair? Será que ele não vai engasgar? Será que ele vai bater a cabeça? Os perigos parecem minimamente controláveis. Estão circunscritos à nossa atenção.
O bicho pega mesmo quando eles vão crescendo. Quando se movimentam pela cidade. Quando estão sob responsabilidade de outras pessoas. Quando não estamos mais o tempo todo juntos, enfim.
Porque, estando vivos, estamos sujeitos ao imprevisível. O Lobo Mau parece estar à espreita, e o Lobo Mau – nessa minha interpretação - nada mais é do que o acidente, o inesperado. A consciência que a gente sempre tem – embora não o tempo todo, senão não viveríamos, paralisados pelo medo – de que de uma hora para a outra as coisas podem se tornar diferentes.
Uma das coisas que achei interessantes na conversa durante a reunião, é que em determinado momento surgiu uma dúvida assim: é melhor eu contar a versão original pro meu filho, ou é melhor ele saber pelos amigos? Traduzo para os termos do que estou tentando pensar aqui: existindo o mal e o risco no mundo, é melhor que seja eu a contar ao meu filho ou é melhor que ele descubra por si? É uma dúvida para qual não há resposta, a não ser que a gente suponha que podemos ter um repertório de todos os males e todos os riscos que existem no mundo. Só que o imprevisível, como o nome diz, não se prevê.
Uma das coisas que achei interessantes na conversa durante a reunião, é que em determinado momento surgiu uma dúvida assim: é melhor eu contar a versão original pro meu filho, ou é melhor ele saber pelos amigos? Traduzo para os termos do que estou tentando pensar aqui: existindo o mal e o risco no mundo, é melhor que seja eu a contar ao meu filho ou é melhor que ele descubra por si? É uma dúvida para qual não há resposta, a não ser que a gente suponha que podemos ter um repertório de todos os males e todos os riscos que existem no mundo. Só que o imprevisível, como o nome diz, não se prevê.
No fundo, não importa como eles descobrem os males e os riscos do mundo. Importa mais como é que a gente elabora, junto com eles, o fato de o Lobo Mau de vez em quando dar as caras. Como a gente acolhe o fato de termos medo. Ou o fato de que tem coisas que estão fora do nosso controle e simplesmente acontecem. O que importa é como a gente acolhe, em nós mesmos, como pais, o fato de que tem coisas que não têm explicação. Que nos afetam, com as quais temos que lidar, mas que não podem ser explicadas.
É difícil... muito difícil. Mas, como na história que é a minha preferida, a da Chapeuzinho Amarelo, o desafio está em não nos distanciarmos de nossos filhos por não poder oferecer a eles respostas e sim nos aproximarmos para dividir com eles a alegria e o susto de estarmos vivos. Porque, se a gente topar de repente com o Lobo, a gente pode descobrir que ele não é tão mau assim: ele é do tamanho do nosso medo.
5 comentários:
Oi querida! Parabéns pelo lindo texto. De fato os contos de fada ajudam as crianças a lidarem com os sentimentos. As bruxas, são nós mesmas, quando não somos boazinhas com nossos filhos. O lobo Mau, o desconhecido sentimento interior. a Antroposofia tem muitas justificativas para o uso do conto de fadas. Quando as crianças chegam aos 2 anos, mais ou menos, conseguem se perceber diferentes da mãe e a dualidade (certo/errado; Bom/ruim). Não é a toa que estão com 2 anos! Saíram da unidade simbiótica e sentem medo. Isso é sinal de maturidade. Este é o momento de ^começar a apresentar o 3 elemento. Deus. Isso ajuda as crianças a lidarem com o medo, a terem coragem de mostrar o melhor para o mundo. E isso vale para nós também!
Beijos amorosos
Adorei seu texto. Foi um start pra mim. Obrigada!
Beijos!
Kalu, que bacana essa interpretação da antroposofia. Faz muito sentido...Mais um passo de mãe e filho nessa caminhada de diferenciação! E fico muito impressionada de perceber como os passos deles e os nossos estão relacionados nesse caminho. Obrigada pelo carinho. Beijos.
Meu bebê de 2 anos e 4 meses anda com muito medo do lobo também.
:D
Tudo é o lobo, vive com medo.
bjs
Meu bebê de 2 anos e 4 meses anda com muito medo do lobo também.
:D
Tudo é o lobo, vive com medo.
bjs
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