por: Kalu
Nos últimos tempos a perspectiva do nascimento humanizado me fez pensar em um outro aspecto da vida humana: a morte.
Em menos de 2 anos perdi 3 avós, que passaram seus últimos dias entubados em um frio hospital, dopados, para enfim partirem sem calor, abraços e carinhos. Não podemos planejar nosso próprio nascimento, dependemos do nível de consciência de nossos pais para isso. Mas podemos planejar que tipo de tratamento vamos querer quando a morte se aproximar.
Na mesma época em que estava fazendo meu plano de parto, escrevi meu plano de morte e entreguei para todos os entes queridos. Ele diz os procedimentos que gostaria que fossem adotados caso sofresse um acidente, tivesse uma doença grave. Em resumo, meu apelo é que gostaria de morrer em casa.
Antes de engravidar, sentia uma sensação estranha dentro de mim, de como, a qualquer momento fosse morrer. Em poucos meses resolvi situações com as pessoas mais inesperadas, resgatei minha relação com a minha mãe e meu pai. Todos os nós da minha vida, dia a dia, iam sendo desatados.
Depois entendi que me preparava para minha grande morte e renascimento: meu parto. Aquela mulher morreu no momento em que pari minha essência mais selvagem e pura, que permanece viva em meu coração.
Quando falo neste assunto muitas pessoas dizem: mas você não pode negar-se a salvar sua vida, negar a medicina. Sim, eu posso e quero ser respeitada em meu direito de morrer, assim como o fiz com o direito de nascer do meu filho. Se eu puder ser cuidada em casa, que seja ssim. Senão, quero ter o direito que minha vida não seja inutilmente prolongada a qualquer preço.
A gente nunca pensa na morte. Em nossa sociedade há um culto para prolongar a juventude como expressão do medo da chegada que inevitavelmente todos irão passar. A morte é nossa grande certeza desta jornada nesta vida. Acredito que ela é construída dia-a-dia: como nutrimos nosso corpo e mente, como caminhamos pela vida e fazemos nossas escolhas.
Há um culto da excelência em nossa cultura. Temos que ser sempre felizes, realizados, perfeitos. E nesta ilusão vamos gastando nossas fichas, escondendo as dores para debaixo do tapete, na tentativa frustrada de atender aos apelos exteriores. Evitamos as dores necessárias e nos anestesiamos para a vida.
E tudo começa como nossa sociedade entende o nascimento: medo, violência, analgesia é o que está presente em nossa chegada. E nossa partida é igualmente fria, sem rituais e calor, servindo a uma indústria de flores, padres, caixão e cemitérios. Como quando se nasce é a foto no site, as lembrancinhas, as vacinas, colírios, hospitais, médicos, cortes abruptos, separações doloridas. Como os tibetanos dizem: os ocidentais vivem como se não fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido.
Fantasio minha hora de partida da seguinte forma: já tomada por rugas, acordo, faço meu café e minhas meditações matinais. Assim como soube o dia que Miguel chegou, quando ia nascer, sentirei que está chegada a hora. Quero colocar minha roupa bonita, arrumar meu altar, fitando os olhos de meus Gurus e chamar meu filhinho. Deitar na cama, onde ele nasceu, dar-lhe um abraço e partir olhando para dentro de seus olhos. Talvez meu marido, 21 anos mais velho, venha me buscar para que cumpre o destino de minha alma em outro plano.
Encerro este post tomada de por muita emoção e felicidade por saber que se a vida terminasse hoje, seria grata por tantas bençãos. Termino com um trecho da poesia de Fernando Pessoa, Deus Menino.
"Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo e leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano e deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar até que nasça qualquer dia
que tu sabes qual é."
Pega-me tu ao colo e leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano e deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar até que nasça qualquer dia
que tu sabes qual é."
3 comentários:
Kalu, lindo o seu texto. Me identifiquei com muitas coisas, pois depois do Rô também passei a entender de outro jeito a relação entre morte e vida. E, como você, também tenho essa fantasia de morrer em casa, cercada dos que amo e que me amam...E a poesia que vc escolheu me lembrou da delicada canção do Vinicis de Moraes, "O filho que eu quero ter". Muito bonito, mesmo.
È verdade, Fabi. Nascemos e morremos todos os dias e que bom que despertamos para uma nova realidade de possibilidades. aforo tudo que escreve.
Beijos
Kalu
Meu dsejo também é de morrer em casa. Aliás falei de vida x morte x casa na materna.
Espero que a vivência de deixar a vida seguir seu rumo sem controle nos mes dois partos que ajude a ter serenidade no meu derradeiro momento.
bjs
Raquel Marques
(esqueci de assinar o comentário do Lobo Mau).
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