por: Tata
Li hoje essa notícia, encaminhada a uma das listas de discussão de que participo. A matéria fala da autorização dada pelo Juizado da Infância e Juventude de Recife (PE) para que um casal homossexual residente em Natal (RN) adotasse duas irmãs, uma de 5 e outra de 7 anos.
Sei que a decisão é polêmica, e acho até bacana abrir a discussão aqui, porque debater pontos divergentes é sempre bom, a gente amplia nossos horizontes, ouve opiniões diferentes, amadurece nossos pontos de vista e pode até, quem sabe, mudar de opinião - ou pelo menos fortalecer a que já tinha.
De minha parte, posso dizer que me sinto esperançosa quando leio notícias como essa. Vejo uma luz no fim do túnel, uma possibilidade de mudança, uma faísca de respeito e fraternidade, entre tanta intolerância, tanto preconceito, tanta falta de solidariedade. Fatos assim me fazem acreditar que as coisas caminham sim, mesmo quando parece que não. É de pequenos passos que se faz uma caminhada. Com pequenas ações como essa, podemos estar vendo o início da construção de uma nova mentalidade, de uma sociedade com mais aceitação e respeito pelas diferenças.
Eu acredito que o fundamental para se criar uma família é algo bem básico: amor. Quando existe esse laço, todo o mais pode ser superado. Uma família feliz não precisa necessariamente de pai, mãe, avós, de uma estrutura hierárquica familiar bem definida. Tampouco precisa de papel passado, de convenções religiosas. Tudo isso é secundário. O que une uma família é o sentimento. E o sentimento não muda se a relação é entre homem e mulher, entre dois homens, duas mulheres, ou seja lá qual for a estrutura desse grupo familiar.
Sim, sempre há o argumento: "mas e o que essa criança vai passar, sendo discriminada por ser filha de pais gays??". Sinceramente, me pergunto: até quando nos apoiaremos nessa lógica torta de usar os comportamentos errados para justificar que não façamos o certo? Se não houver um começo, se não houverem crianças vivenciando e convivendo com realidades diferentes, aprendendo que não há nada de errado em ter dois pais que vivam juntos, duas mães, ou um pai e uma mãe, à moda antiga, e que todos os arranjos familiares são igualmente valiosos e dignos de respeito, quando é que algo vai mudar? Estaremos condenados a ser eternamente vítimas dos preconceituosos de plantão?
Fico feliz em saber que há quem pense diferente. Que há quem, como esse juiz que concedeu a tal autorização, não se deixe levar pelas mentes limitadas e tacanhas, e se permita vislumbrar, nem que seja bem ao final do túnel, a luz que antevê um futuro mais respeitoso, mais tolerante, mais generoso.
Nossa sociedade se apega exageradamente às noções do que é "normal" ou "anormal", estabelecendo divisões entre os dois tipos e excluindo deliberada e reiteradamente tudo o que se encaixa no segundo grupo. Mas via de regra nos esquecemos que o "normal" nada mais é que um conceito social, aprendido, e portanto, passível de transformação. E afinal, se ninguém nunca se atrevesse a questionar o 'normal', jamais evoluiríamos.
Sinceramente, espero que minhas filhas possam crescer aprendendo que não há atitude mais valiosa que o respeito. O respeito ao que o outro pensa, à forma como decide viver sua vida, à liberdade de ser o que é, sem cobranças, sem preconceitos, sem padrões.
Lembrei-me agora de uma frase do filme "Cazuza", dita pelo personagem-título (não sei se a frase é de fato do cantor ou se é somente parte do roteiro, mas nem vem ao caso): "tem o certo, tem o errado, e tem todo o resto".
Eu gostaria de ensinar minhas filhas que é nesse "resto" que reside a poesia da vida. Que é abrindo mão de nossas certezas egóicas, de nossas verdades absolutas, que permitimos que se revele diante de nós a beleza do mundo, que afinal, reside mesmo é na diversidade.
Imagem: http://www.gettyimages.com.br/ / * frase de Caetano Veloso
9 comentários:
Tata, eu também fico muito feliz e esperançosa com essas notícias.
Faço uma especialização em atendimento à família (sou assistente social) e já discutimos bastante sobre adoção por homossexuais.
Mesmo para os mais preconceituosos, é impossível lutar contra o fato que uma família sempre será melhor que uma criança institucionalizada, em abrigo (orfanato).
Da minha parte sonho e luto pelo dia em que a diversidade seja respeitada verdadeiramente por todos.
Obrigada por seu texto mais uma vez certeiro.
Beijos,
Dani Garbellini
Acho engraçado que parece haver um certo consenso de que o mundo vai mal, mas há também uma rejeição ao que vai bem e uma cegueira para o óbvio: O mundo vai mal hoje porque o jeito do passado não era bom... A repressão, preconceito, intolerância (ou mesmo tolerância que afinal é apenas intolerância educada) e a alienação crônica entre os estratos sociais, culturais e econômicos nos trouxe até aqui.
Por outro lado eu realmente não acho que a gente esteja num mundo pior hoje...
Tolerância já é quase uma imposição moral e não tarda muito a gente aprenderá a admirar as diferenças em vez de tolerá-las!
Ao ver a notícia desse casal fico ainda mais feliz porque tenho certeza que muita gente já deve parar para pensar "Ué? Isso é para ser polêmico?".
Pensando melhor, o que deveria ser polêmico é permitir que pais que ensinam a tapas que a razão pertence ao mais forte, que alguns humanos são bruxos e outros são trouxas (sim, odeio Harry Potter e essa coisa evangélica-eugênica)!
Veremos tempos muito melhores pela frente! Tenho certeza!
Adorei, prenha Re!! eu sempre adorei os restos! E ainda o Cazuza, raspas e restos me interessam!!!!
Beijinhos
Rê, fiquei muito feliz de ler essa notícia!
Apesar de ainda não ser mãe, sou uma apaixonada por crianças e acho que a vida vale a pena e que a esperança existe porque existem crianças nesse mundo!!! E crianças são coisinhas fofas que devem ser amadas acima de tudo! Não importa os sexo dos pais... Isso é bobagem! O que importa é o amor!
Eu mesma, quero ter um filho da minha barriga e adotar outro, porque acho que tem muita criança precisando de uma família.
Que mais pessoas possam amar as crianças!
Roney,
Adorei teu comentário, principalmente porque nem tinha pensado nessa questão da tolerância. Engraçado como a gente usa as palavras e às vezes nem se dá conta do significado total que carregam, né? Certamente, o ideal não é a tolerância, mas a aceitação, o respeito, a igualdade afinal. E você está certíssimo, sonhemos com o dia em que isso nem mesmo vai ser tema de discussão, tamanha a naturalidade com que enxergaremos a idéia.
A todos, obrigada pelos comentários!
bjos
Rê
Gostei muito desta notícia. Como vc enfatizou o importante é que exista amor. Ainda bem que algumas pessoas que têm poder para mudar algo neste país o fazem. Se pensarmos em quantos casais gays legais existem por aeˆquerendo adotar uma criança e quantas crianças sem amor em abrigos existem...Claro que estas crainças precisarnao de acompanhamento psicológico para saber lidar com esta questnao perante a sociedade jea que serão indagadas por outras crianças por possuírem uma família fora do padrão, mas tenho certeza que com amor e orientaçnao serão muito mais felizes do que jea foram algum dia.
bjs
Os mais "antigos" (leia-se conversadores) diriam: é o fim do mundo! esse juiz foi comprado! como cheguei a ouvir...
Tenho que concordar que é o fim, o fim desse mundo: moralista, conversador, preconceituoso.
Está começando UM NOVO MUNDO de pessoas que acreditam que para o amor não há limites.
Muito bom seu seu texto Rê!
bjo
Eu convivo com vários casais gays(homem/homem – mulher/mulher). Eles são casais como eu e meu marido. Briga, transam, são fiéis há muitos anos, têm relacionamento estável. Fico imaginando: será que as pessoas pensam que gays fazem orgias? Molestam crianças? Porque há muitos casais de homens e mulheres que fazem atrocidades com crianças. E não são crianças adotadas, hein! Filhos de sangue. O que leva a pensar que não é um lar para uma criança? Se forem pessoas equilibradas, com um relacionamento saudável, que mal há de crescer com acesso a educação, amor, cursos, apoio? Preconceito, como disse a Aurea, muitas crianças sofrem. E os gays sabem lidar com isso como ninguém. Certamente serão capazes de lidar com os questionamento dos filhos.
O homossexualismo não é restrito apenas aos seres humanos. Logo não é uma doença, ou uma pressão cultural. Existem espécies de primatas que não praticam apenas sexo para a procriação, como nós, em que existe o homossexualismo em quase todos os indivíduos. Vamos dizer que essa é uma espécie doente?
Não há lógica para sermos bissexuais, homossexuais, Heterossexuais. Afinal, não somos seres apenas biológicos, movidos por instintos.
Meu avô foi abandonado pela mãe aos 5 anos de idade e nunca mais a viu. Saiu do orfanato com 16 anos, direto para uma clinica de tuberculoso. Ele nunca teve família, morreu sem acreditar em Deus por ter sido abandonado. Se tivesse crescido em um lar gay, mesmo com preconceito, certamente seria um grande engenheiro ou pintor (ofícios que ele aprendeu com maestria). Teria amor, morreria certamente com mais paz.
Há tantas crianças abandonadas neste mundão? Porque privá-las de crescer em um lar? A família é uma instituição falida. Há casamentos de homens com mulheres mais novas, da idade de suas filhas, e novas famílias que se interligam (filhos de um, com filhos do outro, com filhos em comum). Conheci uma família que os irmãos postiços começaram a namorar (não é incesto pq não tinham nem o mesmo pai e nem a mesma mãe). E aí? Vão lidar com preconceito Tb. Assim como um pai negro e mãe branca e filho branco. E deveríamos proibir Tb?
O respeito é essencial para os novos tempos e principalmente para uma sociedade de paz.
Adorei o post! É muito importante respeito pelo próximo, seja ele quem for e amor acima de td...esse negócio de rotular o certo e o errado é um atraso de vida.
Bjos!
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