Foi um sábado diferente: enquanto Miguel ficou com a babá, eu e meu marido fomos assistir a uma aula na escola onde pretendia matriculá-lo no próximo ano. Fui para o jardim de infância e o meu marido para o nono ano. Ao chegar lá, brinquedos de madeiras, massas de cera de abelha, minúsculas cadeiras traziam vida à sala. Começamos com uma roda com uma linda música da primavera, em que fomos despertados como botões pelo sol da manhã.
Sentamos para fazer um pão especial, que as crianças de 2 a 6 anos fazem semanalmente. Cada ingrediente era abençoado antes de virar massa, cada melodia falava do amor, das bençãos da natureza. Lembrei de minha escola, localizada em um pequeno espaço de uma grande avenida, pouca área verde, muitas regras. Logo no início tive dificuldades com a concentração. Fui acompanhada de perto por psicólogos que diziam que tinha déficitde atenção.
Saí do jardim de infância sem ler e fui para uma escola, logo em frente, que exigia que as crianças fossem alfabetizadas antes do primeiro ano(sete anos), que hoje sei, segundo a antroposofia, que não é necessário. Tive muitas dificuldades e tantas vezes ouvi que eu era "retardada", "lenta". Foi então que descobriram que eu era, na verdade, míope. 3 graus de uma miopia que ao longo e minha vida não parou de subir.
Meus pais mal sabiam sobre métodos educacionais. Escolheram a escola mais perto de casa, absolutamente religiosa (católica). Era uma contradição para mim, uma vez que meu pai é cético e minha mãe mística.
Em minha escola havia seguranças na porta que não me deixavam sair para ir ao banheiro nos intervalos, aulas de religião com prova das orações que eu nunca rezava em casa. Aulas de educação artística em que havia a padronização de formas, cores para fazer as coisas. Minha criatividade foi sufocada.
Apesar de meu início tumultuado, me tornei uma aluna muito aplicada, com excelentes resultados. Mas naquela aula percebi como a pequena Kalu não foi devidamente acolhida naquele espaço que deveria ser o prolongamento da educação de meus pais e, principalmente, minha estima fora massacrada nestes anos fundamentais.
Mas, nas rodas e cantos percebi que todas as minhas experiências negativas poderiam ser reescritas, dando uma oportunidade para meu filho, parte minha, escrever sua história com outros elementos, mais conscientes. Uma escola escolhida pelas similaridades educacionais, crenças e valores. Naquela aula tive a certeza que será meu filho quem determinará se ele quer ir para escola, não eu.
Se pudesse deixar um pedido a todos que me lêem é que escolham muito cuidadosamente a escola de seus filhos. Que ela seja uma extensão de suas próprias crenças e valores. Não importa a distância de sua casa. É muito tempo que passamos ali dentro e muitas experiências que viveremos. E que, dentro da medida do possível, eles possam ficar em casa, adormecendo o que aprenderam, digerindo o aprendizado e construindo seus mundos em seus espaços.
Nossa sociedade costuma valorizar aqueles que tem aptidões. Há inúmeras crianças que fazem aulas de dança, música, xadrez, esporte, com rotinas que parecem de pequenos adultos workaholics. Criança precisa brincar em seu espaço. Precisa do(s) pai(s), da família, de tempo para ser e não fazer.
Eles terão muito tempo para fazer mil coisas, para escreverem suas histórias, desenvolverem suas aptidões. Acho que nos primeiros anos devemos nos concentrar mais na presença de qualidade, no alimento em forma de amor, nas brincadeiras conjuntas, nos abraços e beijos, nas histórias, nos elogios, nos exemplos.
Este será o alicerce de um indivíduo. E minha esperança, para meu filho, não é que ele seja o mais inteligente, mais habilidoso, mais rápido ou versátil, mas que ele seja sobretudo feliz e certo que qualquer escolha que ele fizer, estarei assistindo, com os olhos cheios de amor ao milagre da multiplicidade da vida, como da primeira vez que o vi.
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7 comentários:
Meu único questionamento são infelizmente, os valores... Gente, é muito caro!! É perfeito, lindo, é tudo que eu gostaria que meu filho tivesse... Mas como bancar esses valores? Isso me preocupa, sabiam? Será que há alternativas para as alternativas aqui que não tem grana pra bancar essas escolas maravilhosas?
Grande beijo, de quem se sentiu exatamente como você em muitos, muitos momentos...
Aurita, essas escolas são como os médicos e doulas do parto natural: se você realmente tem simlaridades ideológicas, há negociações, bolsas, trocas.
Me parece uma boa idéia... Precisamos ver como funciona na prática então...
beijoca
Queridas,
Qeuria falar muito e muito e muito sobre o assunto... Mas, me senti muito acolhida com este texto da Kalu. Tenho passado por um sufoco com filhoe recém--nascido, sem carro, marido longe e várias pessoas me falam que a solução dos meu sproblemas seria mudar a Isadora de escola. E eu não aceito, pois para mim escola é tudo isto que você fala e a escola em que a Isadora está é nosso porto seguro. Só que não é no mesmo bairro, uma ponte separa a nossa casa da escola e, em São Paulo, sabem como é isto, né.
Áurea,
Sobre os valores, negocie... negocie. Proponha permuta, trabalhe para a escola em que você acredita, sei lá, crie alternativas. Garanto que vale a pena!
A escolha da escola para mim, até agora, foi a decisão mais difícil que tive que tomar por minha filha. Visitei várias, até que finalmente encontrei uma que deixou meu coração em paz. Nâo é perto, é um pouco fora de mão. Os palpiteiros já estão dizendo que nesses primeiros anos é só brincadeira, que qq uma tá bom. Mas eu acredito mesmo que valha a pena esse esforço (financeiro, inclusive) para que minha filha esteja em um lugar que ensine o prazer do aprendizado e das descobertas. Adorei o post, pois só tenho pensado nisso nesses ultimos tempos! beijos
Kalu adorei o post !
Estou neste dilema, mas aqui nem opção parecida tenho... =(
Kalu, obrigada pelo texto. Estou começando a olha r a escola pra Sofia e sempre vem esse dúvida: a escola que acolhe meus valores, ou uma que é perto de casa?? Aqui perto não tem nenhuma escola que gostei, continuo buscando... enquanto isso, a pequena fica em casa, brincando, cantando, desenhando, rs...
Foi bem esclarecedor.
Beijos com saudades de você.
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