por: Analy Uriarte - mamífera convidada
Posso dizer que virei mamífera no minuto em que peguei meu primeiro bebê nos braços. Ele literalmente me fez arrancar a camisa, ou melhor, abrir a camisola, para que pudéssemos mamar. Plugá-lo ao peito foi estranho - “é só isso?” -, mas impossível de esquecer. Acho que é porque nesse instante nasceu uma pessoa com novos sonhos, nova voz e sem dúvida, novo olhar. Lá estava eu com os braços cheios! Aquele pequeno ser ocupava meus braços, e de lá não sairia muito cedo. Senti-me rendida. Nada mais restava fazer do que voltar-me para ele e aprender essa nova existência.
Minha voz, eu não sabia que tinha, mas ele queria ouvi-la, aí aprendi a cantar. A canção que me veio na madrugada foi a mesma que minha mãe cantara para mim, a letra meio errada, claro, a lembrança era antiga. Meu vocabulário ganhou novas pessoas, éramos “nós” a maioria das vezes, e “nós” fazíamos coisas muito diferentes, como sentar no chão e balançar de um lado para outro. Nós também fazíamos um monte de barulhos estranhos, qualquer coisa que fizesse ele rir em vez de chorar, literalmente qualquer coisa.
Meu olhar, eu só dirigia para ele, que tinha que estar sempre à minha vista, mesmo que meu corpo pedisse arrego, e minha vaidade, cabeleireiro. Eu queria estar com ele. Assim, enfrentei a hora do rush e os carros jogando fumaça do meu lado para dar uma volta a pé com ele. Fui correr no parque, mas, em vez de seguir a pista era uma ida e volta: 100 m para frente, 80 até onde ele estava, e assim por diante. Cortei os cabelos. Quando ele choramingou, levantei e fui embora, mesmo faltando um lado.
Aos poucos, comecei a me torturar e perguntar quando iria voltar a ser como antes. Quando eu iria descer desta nuvem e voltar ao mundo produtivo, corporativo, real e concreto, ao mundo do dinheiro, do futuro, da construção, da ambição e das realizações. Quando?
Foi então que eu apelei para o google e procurei o significado da maternidade. Lembro-me até hoje: era noite e chovia, ele dormia e meu marido estava trabalhando até tarde no escritório, como antes eu também fazia.
E achei quase nada. Nada que considerasse definitivo, que pudesse usar como prova final do que estava sentindo. Nada que sustentasse minhas escolhas, ou mesmo justificasse as perdas. Senti-me perdida, logo liberada, e finalmente decidi que teríamos de nos reinventar. Não foi tão imediato assim, muito menos uma decisão confiante. Foi mais uma escolha numa direção, e quem me guiou foi meu bebê. Até hoje, minha única certeza é que por algum estranho mecanismo da vida, os filhos chegam ao mundo para acender coisas dentro de nós que se apagaram ou ficaram esquecidas em alguma curva da nossa própria história.
Hoje eu tenho três luzes-guias, um caminho completamente novo, muito mais difícil, intrigante e barulhento (todos falando ao mesmo tempo, mal consigo ouvir meus pensamentos)! E tenho um sonho completamente novo. Nesse sonho, eu abraço o mundo real e corporativo como mulher e mãe. Nesse sonho, são criados grupos de apoio à amamentação, bebês aparecem nos cinemas, mães voltam a trabalhar com seus filhos a tiracolo ou com bombas de leite na bolsa, mamíferas abrem seus corações e são lidas por milhares de mamíferas na internet, mulheres refazem padrões de comportamento que incluem peitos vazando, mãozinhas sujas de papinhas e trabalhos feitos no tempo dos bebês... com pausas a cada três horas para mamar.
O resto do sonho, o quanto estas mudanças podem reestruturar o mundo a nossa volta eu desconheço, mas algo nos olhos do meu caçula me diz que ele veio para fazer barulho, muito barulho!
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7 comentários:
Sem palavras: lindo!!!
lindo lindo!!
Ai, Analy. Você e suas palavras tão precisas...Adorei!
ah, e como ele vai fazer barulho!!!
é iincrível como você, Analy, consegue colocar em palavras sentimentos tão lindos...
beijos
lindo!
Amei!
tudo tão verdadeiro e intenso...
bjos
Carol
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