por: Tata
Eu fui uma criança tímida. Muito tímida, na verdade. Daquelas que ficava num canto brincando sozinha nas festas, que preferia enfiar a cara nos livros do que correr e jogar no meio da turma. Fui uma criança reservada, muito sensível, e muito criativa.
Hoje, já adulta, mãe, vejo na Ana Luz, minha 'pimenta-primogênita', uma criança semelhante em muitas coisas àquela que fui, anos e anos atrás. Ela é igualmente tímida, não se expõe, leva um bom tempo para se acostumar com gente nova. Sensível ao extremo, quando se sente agredida, ou magoada, não se defende, chora. Magoa-se com uma facilidade incrível. Não é uma criança exageradamente quieta, retraída. Entre nós, é divertida e falante, brincalhona, palhaça. Mas se mostra para nós, ou para outros que a conhecem bem, não para o mundo do lado de fora. Eu, quando criança, era igual.
Hoje me vejo em uma situação delicada, curiosa, e docemente bela. Vejo-me com a possibilidade de acolher, em minha filha, a menina que fui. Acolher minhas inseguranças nas inseguranças dela, acarinhar seus medos e suas deliciosas fantasias como se acalentasse as minhas próprias, abrir os braços para sua sensiblidade tão intensa, como se abrisse os braços para mim mesma, numa reinvenção do tempo e do espaço.
Tem sido um aprendizado fantástico, pra mim. Eu, que durante muitos anos lutei contra minhas inseguranças, contra rótulos limitadores que me tinham sido impostos ainda na infância, que trilhei um longo caminho de autoconhecimento e aceitação, que aprendi ao longo dos anos a lançar um olhar amoroso sobre a pessoa que sou, hoje posso dividir com minha menina todo esse intenso aprendizado.
De repente me pego observando suas brincadeiras, fantasias, seu sorriso inocente e por vezes levemente acanhado, seu olhar doce e curioso diante da vida. Penso em tudo o que gostaria de lhe mostrar, de lhe ajudar a compreender.
Gostaria que ela soubesse que não precisa ser outra pessoa, ser de outro jeito, que não precisa nem deve moldar-se, ajustar-se a nada. Eu, menina, tantas vezes achei que minha timidez era um defeito, que o jeito certo de ser era ser atirada, expansiva, comunicativa e sociável, tudo o que eu não era. Gostaria que ela pudesse ver as coisas com outro olhar, sabendo que quando se trata de seres humanos, não há certo ou errado, tudo é tão relativo. E o importante é a gente se aceitar, se curtir, ter um olhar amoroso consigo, ser feliz com o que se é.
Quero poder dividir com ela aquilo que levei quase vinte anos para aprender: que cada um é como é, e o importante é que se possa contemplar com doçura e leveza tanto nossos defeitos quanto nossas qualidades. Porque mesmo que não pareça, todos os têm. Uns e outros.
Também gostaria que ela pudesse aceitar em si mesma a timidez, a sensibilidade extrema, sem se deixar aprisionar por elas. Porque acontece. A gente vai se escondendo por trás dos complexos, e por causa deles, deixa de fazer uma porção de coisas que gostaria, perde tempo, perde oportunidades. Aconteceu comigo, não gostaria que acontecesse com ela.
São coisas que espero poder dizer a ela, não somente com palavras, mas especialmente com atitudes, com o que sou e vivo todos os dias, e serve de exemplo pra ela. Ajudá-la a entender que não se pode esconder da vida, nem pedir licença ou desculpas pelo que se é.
Eu, que ainda menina tantas vezes me encolhi e escondi, pude aprender com o tempo, crescer, olhar-me, conhecer-me e aceitar-me. Hoje caminho mais leve, porque aprendi a olhar para meu lado de dentro e contemplar, ser feliz. Não foi um aprendizado fácil, não foi cor-de-rosa. Mas valeu a pena demais.
Hoje, a menina que fui abre os braços, estende as mãos e convida a brincar de roda a outra menina, essa que trouxe ao mundo. E lhe diz baixinho ao ouvido que a vida é assim mesmo, a gente aprende com o tempo, e às vezes é dureza, mas é delícia também.
Eu sei por experiência própria que um belo dia ela, que terá adormecido patinho feio, despertará um lindo cisne, orgulhoso e imponente.
E espero estar bem perto pra ver. E sentir meu coração ficar pequenininho e estouvado, de tanta alegria.
Imagem: arquivo pessoal (eu e minha pimenta-primogênita, Ana Luz)
6 comentários:
Caramba, Rê, este me levou às lágrimas! Tão bom quando é assim: encontro tão bele entre mãe e filha.
Um beijo grande, grande.
ah, tata, mas ela tem Luz própria e uma mãe igualmente iluminada, só pra reforçar a semelhança!
eu me identifico tanto, olha isto: "Sensível ao extremo, quando se sente agredida, ou magoada, não se defende, chora." é a minha descrição.
mas ainda estou aprendendo a cuidar disso, nossa. sabe, adoro minha mãe, ela foi e é mais-que-perfeita em quase tudo, mas nesse quesito eu gostaria de ter tido um olhar de mãe como este que vc descreve neste belo post.
superabraço.
Que semana inspirada das mamíferas!
=)
Texto caprichado! Abriu o coração e só nos mostrou flores, bons sentimentos e bons aprendizados.
Mãe de gêmeas é, para mim, um mistério para o entendimento humano feminino... Deve ser uma experiência riquíssima, certamente.
Sua filhota tem é muita sorte pela mãe que ganhou. E vai perceber a vantajosa diferença logo logo.
Um abraço,
Michelle
Sorte dela de ter uma mãe que entende!
Por enquanto Laura só mostro que é chorona! Qualquer coisa que não saia do jeito dela ela chora. E muito!
Muito sensível seu texto! Lindo!
Cath da Laura
Poxa Tata, e o que fazer quando a familia toda é dos "barulhentos" e só um é dos quietinhos?
Eu respeito pra caramba, mas eu só o oposto do meu filho!
As vezes penso que ele tem que se impor mais, falar o que sente, sem medo, digo que ele pode gritar, chorar, mas tem que falar o que sente para que eu possa compreendê-lo melhor!
Você como uma criança que foi quietinha acha que eu tô errando?
beijo e quero saber sua opinião tá?
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