Super Poderes

por: Kalu

Lembro-me de minha tia a ferver a água mineral do banho de seu filho. O álcool sempre por perto para esterilizar as mãos da criança e de quem se aproximasse dela. Todos os brinquedos eram limpos constantemente, fervidos, assim como qualquer coisa e pessoa que tivesse contato com o menino. Aquilo me parecia tão pouco natural, pouco biológico e demasiadamente cansativo.


Mas posso entender que aquele corpo pequenino, frágil, dependente, parece que não vai sobreviver. Ele pode morrer sem respirar com um pano no rosto? E se regurgitar e não conseguir expelir? E se o leite não for suficiente?

Quando meu filho nasceu fiz estas perguntas ao pediatra que me disse: você já viu que as crianças indígenas ficam no chão enquanto suas mães trabalham? Levam na boca tocos, pedras? Bebês são mais fortes do que podemos imaginar e não são raras as ocasiões que são os únicos sobreviventes de catástrofes e acidentes.

Quando nasce o bebê, nasce com ele uma mãe e com ela uma inimiga companheira da maternidade: a culpa. Por mais, que tentemos estar em todos os lugares, com todos os sentidos aguçados, parece que os perigos do mundo são maiores que nossa capacidade de preservarmos nossos pequenos.

Por mais cuidadosas que sejamos, um livro cai na cabeça, o bebê cai do trocador no menor descuido, uma dedo é esmagado no armário e, pior, causado por nós mesmas. E aquela sensação de impotência que nos invade na primeira enfermidade? Buscamos respostas, jogamos a culpa para dentro do peito que nos faz chorar solitárias e igualmente frágeis diante das ocasiões incontroláveis da vida.

Aos poucos podemos entender que não há andar sem queda, correr sem tropeço, aprendizado sem dor. O corpo se regenera rápido, as casquinhas surgem nos ferimentos em poucas horas e a memória do ocorrido se vai em segundos. O que fica para os pequenos é a maneira como lidamos com estas situações. O gelo, o aconchego, o remedinho na ferida acompanhado de carinhos e palavras positivas é o que vai formar um indivíduo confiante, forte e seguro.

Em cada tombo, doença e dificuldades que nossos filhos passam, nos fortalecemos também. Aprendemos a ser mais tranqüilas solucionando as dores físicas e emocionais com equilíbrio e calma, mandando a culpa para bem longe. Gosto de uma frase de Rubem Alves: ostra feliz não faz pérola. É nas dificuldades que eles e nós, temos a verdadeira oportunidade de tecer a jóia rara que nos colocará em uma nova etapa de nós mesmos.

De todos os super poderes de uma mãe, como ouvido supersônico, visão de raio laser, sentido de premonição, a capacidade de ser humanas, demasiadamente humanas é o maior poder que o recebemos com a chegada dos nossos filhotes.

E nosso companheiro, o pai, geralmente é aquele que sente satisfação em colocar nossos filhos diante dos desafios da vida e enfrentá-los com coragem e ousadia.


Foto: Miguel com marcas de um grande tombo