Ligia enviou um email para blogmamiferas@yahoo.com.br e disse que gostaria de escrever para o blog. Mandou este texto lindinho. Se você tem vontade de escrever sobre um tema mamífero, não se acanhe. Teremos um prazer em publicá-lo.
Por: Ligia Moreiras Sena, Mamíferas convidada.
Minha história de gravidez é, como todas as gestações?cheia de emoção. E ela aconteceu num momento muito singular da minha vida.
Fiz graduação em Biologia, seguida de mestrado em Psicobiologia e de um doutorado em Farmacologia, sempre visando conseguir chegar lá! Esse era meu único e grande objetivo. Enquanto isso, na sala de justiça, tive alguns namorados e fui casada durante 5 anos com uma pessoa que nutria um grande pavor de ter filhos. Eu deixava isso pra lá e seguia minha vida, estudando e me preparando. costumava me esconder na frase: Não estou preparada para ser mãe. (embora todo o aparato já estivesse aqui, só esperando para ser ativado).
Em 23 de outubro de 2009 defendi finalmente minha tese de doutorado. Na mesma semana, alguns dias antes, oficializei um namoro. Um companheiro alegre, bem humorado, de bem com a vida e já com dois filhos. Para um tratamento de pele mudei de anticoncepcional com orientação médica, não me adaptei ao novo e precisei fazer uma pausa para começar um terceiro. Uma pausa de 1 mês para quem tomava anticoncepcional há 14 anos.
Dia 22 de novembro, quase um mês depois, tive uma tontura monstruosa e pensei: “Puts, lá vem uma crise monstro de labirintite”. Fui ao médico no dia seguinte, 23 de novembro, exatamente 1 mês depois de receber o título de doutora e estar preparada para prestar os concursos pelos quais eu havia esperado tanto. Às 15 horas eu soube: não era nada de labirintite não... Eu estava grávida! E minha filha havia sido feita exatamente no dia da minha defesa de doutorado! Isso é que é diploma.
E isso é que é um grande choque, também... Uma gravidez não planejada, num momento não esperado. Desempregada, em início de namoro, sem saber o que faria dali por diante, nem se precisaria mudar de cidade, se conseguiria prestar os concursos e... mais importante: sem saber se eu contaria ou não com o apoio do namorado. Soube a resposta para essa última dúvida 20 minutos depois, quando ele apareceu em casa a meu pedido e, ao saber da bombástica notícia, abriu os braços, começou a chorar e disse: “Parabéns, meu amor! A gente vai ter nenê!”, me deixando com cara de tonta ali, parada, olhando e chorando.
Bem, desde então comecei a viver um turbilhão de mudanças. Muito mais emocionais que físicas, embora minha barrigona esteja imensa e minhas glândulas mamárias em alta produção.
Tive dois descolamentos de placenta no início da gestação, ouvi coisas aterrorizantes dos médicos com a expressão “ameaça de aborto”, precisei fazer repouso, sofri com a falta de grana, desenvolvi uma certa rejeição ao namorado – que felizmente passou, embora tenha causado um grande sofrimento a ele –, perdi minha avó e madrinha, tudo isso no primeiro trimestre da gravidez. Mas, também no primeiro trimestre, grandes alegrias vieram: minha irmã caçula engravidou também – 3 semanas a menos que eu – e minha bebê se agarrou com unhas e dentes fictícias e eu consegui segurar a gravidez.
No segundo trimestre, toda a força biológica e psíquica que está latente em todas nós e que nos move à maternidade chegou com tudo: virei um bicho doido que fazia trocentas coisas ao mesmo tempo, estudava pros concursos, limpava casa, namorava, passava as madrugadas acordada preparando as coisinhas pra nossa filha... E essa força biológica e emocional foi me tornando uma pessoa consciente do meu corpo, consciente do significado de estar grávida, da grande dádiva que é ser capaz de produzir um pequeno corpinho, com seu espírito e sua mente ligados a você 24 horas por dia.
E decidi que, se eu sentia tudo isso assim, tão natural, tão biológico, tão simplesmente ligado à vida, era assim que eu queria criar a minha filha. Desde a sua chegada ao mundo. E então decidi que ninguém iria me internar em nenhum lugar quando chegasse o momento da Clara nascer, porque eu não estou doente: eu estou na minha forma mais saudável, sendo capaz de gerar alguém.
E aí decidi que teria minha bebê de parto natural. Humanizado. E em casa.
Se eu ouvi críticas? Ah, muitas... De todos os tipos, das críticas mais leves às ameaças mais ignorantes. Meu namorado ficou meio apavorado com a ideia. Então, respeitando a opinião dele e entendendo a sua resistência, fomos juntos em uma palestra altamente esclarecedora, sobre o que é o parto domiciliar. E que grande alegria eu vivi ao final da palestra, vendo o mais novo adepto do parto natural humanizado planejando onde colocaríamos a piscina quando chegasse a hora e ensaiando o que ele faria para me ajudar.
Aí as pessoas me perguntam se eu não tenho medo da dor, se não tenho medo de que algo dê errado, se não tenho medo de não conseguir, se não tenho medo de que minha bebê sofra durante o processo.
Cclaro que eu tenho medo de tudo isso. Eu sou mamífera, sou humana. Mas medo nunca foi uma coisa ruim, pelo contrário. É o medo quem nos protege, quem nos impulsiona à mudança de atitudes, quem nos direciona para bons caminhos. Tenho medo sim. Mas esse medo não me impede de nada não, nem torna minha vida um caminho sombrio, ameaçador ou aterrorizante. O medo não é meu adversário, ele é meu aliado. Quem não tem medo nessas horas? Mas a questão é aceitá-lo como parte natural da nossa biologia e da nossa constituição emocional. Sim, tenho medo.
Mas o medo não está associado ao parto em casa. Pelo contrário. Medo mesmo, pavor mesmo, eu tenho é de ser cortada, de tomar pontos. Tenho medo de hospital. De tomar anestesia. De que minha filha chegue num ambiente pouco humano, arrancada de dentro da barriga. Medo de que ela chegue na casa dela, com o papai ajudando, com um monte de gente querida que tem como objetivo trazer gente ao mundo num clima mais humano? Bah! Mas nem um pouquinho de medo.
A partir do momento em que a gente lê POSITIVO no exame de gravidez, começa um mundo novo. E, como toda grande novidade, vem juntinho um pouco de medo. Mas o medo, como a dor, não é ruim... Se nós não sentíssemos medo ou dor com certeza já teríamos nos matado por aí... E em nossa vida como mamíferas-mães sempre teremos que conviver com um pouquinho de medo: medo de não dar conta do recado, medo de que o filhote sofra em algum momento da vida, medo de não ser boa mãe o suficiente, de ter estrias, de embarangar, de ter que escolher entre o trabalho e a função materna integral, medos medos medos. Mas se encararmos esses medos todos como naturais, seu componente apavorante vai embora e acaba chegando um grande aliado.
Hoje estou a duas semanas do concurso que eu espero há 15 anos. Vou defender meu currículo, meu projeto de pesquisa e minha qualidade como professora para uma banca formada pelos melhores profissionais da minha área. Eu e minha barriga imensa. Eu e minha filha. Enquanto eu estudei esses meses para esse momento, entre a confecção das lembrancinhas e as roupinhas que eu dobrava e redobrava inúmeras vezes, o papai da Clara fez o desenhinho do post... É ela lá dentro, fazendo a chamada oral com a mamãe. Se eu estou com medo de não ser selecionada? Se eu não estou com medo de que o fato de estar bem gravidona represente um empecilho para minha contratação? Ô se tô! Mas e daí? Já sobrevivi ao medo da possibilidade de ter que encarar a gravidez sozinha. Já sobrevivi ao medo de perder minha filhota no início da gestação. Já sobrevivi ao medo de não conseguir me preparar para o concurso estando grávida. Já sobrevivi até ao medo de talvez não ser mãe nunca...
Hoje sou uma mamífera bem barriguda, cheia de peito, que estará à frente de uma banca para ser avaliada. Quando o medo chegar – e ele vai chegar –, com uma das mãos vou pegar na mão dele, com a outra vou pegar na mão da minha filha e, juntos, nós vamos em frente!
Que todas nós, mamíferas-mães ou mamíferas-mães-em-potencial possamos sempre encarar o medo e dizer pra ele: aqui, meu caro, mando eu!
Ilustração: Pai da Clarinha
Olá!
Mudamos de endereço.
Você pode nos encontrar em www.blogmamiferas.com.br a partir de agora.
14 comentários:
Oi Ligia! Adorei seu texto! Acho que a gente lida melhor com as coisas quando elas acontecem e aquele medinho que a gente tem é só fruto da nossa cabeça, quando acontece é tão mais fácil do que quando a gente imagina.. Isso pra tudo na vida. Tive parto domiciliar também e tudo correu maravilhosamente bem, no tempo certo, sem pressa, apesar que não contei para família que seria em casa, porque não queria ter gente me ligando a cada 10 minutos num momento que eu mais precisaria de silêncio e relaxamento. Depois de passar por um parto assim, tudo parece mais fácil de se realizar . Beijos e ótimo parto pra vc. Andrea Godoy
Lígia,
Sem medo algum eu lhe desejo muita força e uma ótima passagem por esse teu tão sonhado concurso!
Sinceramente, não precisa ter medo, vai lá, junto com sua Clara que passou por tantos medos contigo e arrase, depois...
Ah! depois, nos conte o resultado de tudo isso!
Tudo de bom nessas próximas semanas que antecederão tantos momentos especiais para ti.
Tenho muito orgulho de mulheres assim!
Grande abç,
fêdaraedolu
Oi Ligia,
Não podia deixar de comentar esse post. Também sou bióloga e doutora em ecologia. Engravidei numa fase conturbada como a sua e também prestei concurso barrigudona do Pedro. Eu estava muito insegura principalmente com a aula mas o Pedro proporcionou toda a serenidade que eu precisava. Acabei tirando a maior nota por todos os membros da banca.
Te desejo muita sorte no concurso e na chegada da Clara.
Bjo grande!
Queridas mamíferas! Muitíssimo obrigada pelas palavras de incentivo e apoio. Saber que estamos no caminho certo ajuda a firmar os passos. Pode deixar que avisarei o resultado dos próximos dias! Obrigada pela força!
A Clara tá aqui dando seu habitual salto triplo carpado, acho que emocionada também pelo apoio que estamos recebendo...
Grande abraço a todas vocês!
Lígia é uma cientista de ponta, inteligente que chega a deixar a gente meio tonto... Escreve bem e de quebra tem um humor ótimo, é muito engraçada e já está se saindo uma super mãe.
E sabem o que é mais legal? é que ela é minha comadre e eu tenho a honra de acompanhar tudo isso de pertinho!
Lígia, o seu relato me esquentou o coração... em vários momentos me identifiquei com suas linhas... aqui em casa o ritmo também é assim, vencendo um medo de cada vez. A vitória geralmente é consequencia da coragem! Beijos e abraços, Iara (aquela hanamiga virtual!)
Lígia, impossível não se emocionar com o seu post.
Adorei! Adorei! Adorei!
Que Deus abençõe sua família sempre!
Oi Lígia! Fiquei muito feliz em ler seu relato no Mamíferas, conheço vc virtualmente lá do partoemcasa, fizemos o parto do meu menino com as hanamigas há dois meses e foi maravilhoso! Pode ter certeza que vc e Clara estão em ótimas mãos! Bjs
Nossa, Lígia! Que bom que você mandou e-mail paras as Mamíferas e compartilhou isso tudo com a gente! Uma baaaaaaaaaita história!
Que mulherão que você é! EM TODOS DOS SENTIDOS!
Belíssimo exemplo... Fico orgulhosa de ser mulher principalmente quando conheço histórias como essa!
Boa sorte, boa nota, bom parto... Tudo de bom pra você! Vou ficar aqui torcendo!
Um abraço,
Michelle
Parabéns, Lígia! Boa sorte!!!! Beijos
LINDO! Estou aqui babando pelo texto, pela mensagem...que forte. Nõ preciso nem dizer que chorei cachoeira também e tive de me ocntrolar pois estou no ambiente de trabalho, risos
Lígia tudo vai dar certo, e que a Clarinha consiga iluminar mais ainda o seu caminho frente a banca.
Sucesso.
Thali Lopes
Ligia,
Me identifiquei com você. Também sou bióloga, com mestrado em Biotecnologia e Doutorado em Ciências pela Ginecologia.
Enfrentei medos parecidos e optei por dar um tempo na minha carreira pós defesa, quando estava com 5 meses de gestação. Resolvi ficar somente com aulas em colégios por enquanto. Se eu tenho medo de não voltar mais a minha "verdadeira" carreira, de me acharem velha, de perguntarem por que parei com as publicações? NÃO: quero mais é cuidar do meu Léo.
Boa sorte no seu concurso, o que tiver de ser, será! Que a Clara nasça com saúde e paz e continue escrevendo, pois foi uma delícia acompanhar sua história!
Bjos,
Dani
diretodoutero.blogspot.com
A Ligia foi minha colega de facul, estudamos juntas e nos reencontramos virtualmente, 15 anos depois (noossa!!!!). E certamente gosto mais dela hoje do que há 15 anos atrás, mesmo estando tão distante! Nem tão distante...Como ela mesmo disse em seu blog, estamos ligadas nesta rede, cada uma no seu canto mas no mesmo espaço. E mesmo que ela não tenha me visto, lá na casa dela, eu também estava lá!
Super beijo!
Ilê
Postar um comentário