
Ou Desta forma quero morrer
por: Flavia Penido
No dia que nasceu minha filha caçula eu descobri uma das poucas certezas que tenho em mim: Descobri a forma como desejo passar desta vida.
Quero ir embora da mesma forma que minha filha chegou. No momento em que eu dava a luz, eu pensei na morte. É sim, isso apareceu para mim, ficou muito claro mesmo, em um momento logo depois que ela nasceu.
Pode parecer contraditório, mas não é não. Vida e morte são muito ligadas entre si, sem uma não existe a outra. Interessante que as duas são do gênero feminino, “A” vida e “A” morte, mas isso é papo para um outro post.
Hoje quero falar da minha morte. Não desista de ler, a morte não precisa ser algo ruim, assim como dar a luz não é.
Se eu puder escolher, eu escolho assim. Porque se eu não faço escolhas, outros escolhem por mim. Muitas mulheres são testemunhas do que acontece quando não fazemos o nosso próprio trajeto no processo de dar a luz, dar a vida.
Meu corpo e minha alma têm cicatrizes da minha falta de atitude. Mas na vida, olha aí a vida outra vez, aprendemos com nossos erros, sem arrependimentos e culpas. Vida que segue em novos rumos.
Tive a oportunidade de dar a luz outra vez e então meu parto foi com eu quis. Mas nascer e morrer é só uma vez... Eu nasci de cesárea, mas vou morrer assim:
Quero morrer de morte morrida, porque creio que é o melhor caminho. Quero estar cheias de cabelos brancos, e que eles sejam dessa velhice boa. Quero estar em casa, em meu lar, por que com velho não se mexe, deixem-me em casa, por favor, nada de hospitais.
Escrevo para ninguém esquecer. Preciso muito estar com alguém que me ame, de preferência com meu velho companheiro de viagem. Sim, nossa viagem é para a vida, mas ela tem um fim. Que meus filhos também estejam, ao menos em pensamento. Estarei lúcida e clara, saberei quem eles são, pelo cheiro, ou na voz, ou na tez ou... seja o que for.
Preciso muito estar com mais alguém. Alguém em que eu confie, alguém que respeite minha vontade, uma parteira e uma doula da morte, será que exite? Gostaria de ter também uma anciã ao meu lado, o colo e a reza de uma mãe, essa que assim como eu, entende do meu nascer e do meu morrer.
Quero uma morte sem susto e sem drogas, sem empurrões, cutucadas, futucadas nem picadas, sem colírios, vitaminas, e vacinas. Cara limpa de remédios e maquiagem...
Antes de ir-me queria poder olhar e sentir o mar. Ah! O mar, meu profundo mar.
Porém, para mim o mais importante é que me deixem em paz no processo. Poder deitar e sentir o fluxo da vida. Foi assim que a minha filha nasceu. E você já escolheu seu nascer e morrer?
PS: Escrevo no meu blog pessoal um poema sobre esse tema. Cliquem aqui pra ler.
Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9eyuPq68VWb-Wn0MIzJoLYW1tdgAupZ00HVSX_ptF2xV0LAvYdYJzSgDew65NttoYWn2oubEWKlV6TvkZ4XP4Ks86PoTyHNO2lswVK7jOn75Pt5lkWarGbTdehIpzrUTY29Z1346o04l0/s400/nascer+e+morrer.jpg
10 comentários:
Lindo Flávia!
parabéns por abordar esse tema tão delicado, de forma tão poética!
Eu também quero uma doula da morte.
E, principalmente, quero aprender a lidar com a morte nossa de cada dia.
Beijos, Silvia
Flavia querida...
Ai cara, chorei lendo o seu texto...
Sei lá, deve ser porque estou sensível.
Sim, eu concordo com você que vida e morte são complementares. Eu concordo que, no parto, é o momento da nossa vida onde podemos tocar com a mão, a vida e a morte.
A Ingrid morreu na hora do parto para nascer uma MÃE, e a Nicolle também morreu, para nascer uma FILHA...
Você sabe do que digo, não é!
Grande beijo!
Ingrid
Eu também quero morrer do mesmo jeito que você. Não quero uma doula da morte. Quero meus filhos perto de mim. Quero segurar a mão da minha filha com o mesmo amor que a segurei da primeira vez que veio a esse mundo.
Adorei o que você escreveu, me fez pensar. Também temos que nos empoderar para ter uma morte digna, assim como no parto. Assim como podemos encarar o parto como algo natural, como algo bom, bonito , que faz parte da vida, podemos encarar a morte. O que muda é o sentimento de boas vindas é trocado por uma despedida. Tudo acaba mesmo em despedida, como diria Toquinho.
Pri Bélgica
Felizes os que podem fazer um Plano de Partida. Como o Plano de Parto, ele é tão importante! Parir e Partir em Paz, nascer e morrer, como parte do Ciclo da Vida. Assim foi com o meu Pai, que teve uma Partida suave e tranquila, uma morte domiciliar, nos braços da Mulher que tanto Amou. Falar da Morte é ainda falar da Vida, não podemos fugir do assunto.
que lindo... arrepiou.
penso exatamente como você, e o nascimento do meu filho também me fez pensar na vida e na morte, e em como eu queria morrer da forma que ele nasceu. mas isso tinha ficado esquecido dentro de mim até ler seu texto. vou escrever também, pra não esquecer e para os que me cercam não esquecerem também.
amei.
Quero ter esta oportunidade, mas para isto acho que tenho que estar num lugar muito simples, sem recursos...pois médico tem a péssima mania de manter defunto vivo.Isto aconteceu com o meu padrasto e fiquei revoltada na época. Quero poder morrer com dignidade,sem acessórios e shows pirotécnicos, sem desespero...este será o meumelhor presente de "desaniversário".Lindo post!
Bjs, Mammy
Meu Deus q coisa mais linda do mundo... eu que morro de medo da morte, acabei por ficar em prantos... se ela existir eu tb vou querer uma doula da morte, e morrer desse jeitinho aí!
Linda reflexão! Lembrei da morte da minha irmã, recentemente ela despediu-se nos braços daquela que a recebeu nesse mundo. Parecia um parto, era um partida. Gostaria de partir também abandonada nos braços de quem muito me ama.
assim seja! beijo carinhoso pra vc.
Que sintonia bonita- chego de uma conferência sobre parto e saúde primal, recebo a tarefa de dar uma aula sobre morte natural e dou de cara com seu texto tão sensível.
Lembrei de um poema do Tagore:
"A morte pertence à vida, como pertence o nascimento.
O caminho tanto está em levantar o pé, como em pousá-lo no chão"
Beijos
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