por: Nanda
As pessoas levam um susto atrás do outro quando me conhecem. Primeiro um piercing no nariz, depois tatuagem que cobre a perna inteira, enfim a descoberta que Benjamin é meu filho, e não meu sobrinho ou irmão, e por último descobrir que eu não tenho a idade que aparento (23 em vez de 17). É muito para absorver, eu admito, e hoje, ao fazer mais uma sessão para terminar a extensa tatuagem, me peguei pensando na reação de Benjamin a respeito de todas essas diferenças quando ele estiver um pouco maior.
Há muito tempo eu desejava fazer a capa de um livro que gosto bastante na minha perna. Como não recebesse permissão de nenhum dos pais, assim que comecei a ganhar meu próprio dinheiro (ainda que fosse o salário de um estágio e eu ainda dependesse dos meus pais para todo o resto) e depois de passar por algumas rupturas bruscas em minha vida, decidi fazê-la. É grande, muito grande. Dá a volta na panturrilha e sobe até o joelho, e há dois anos (entre idas e vindas - mais idas do que vindas) que eu a estou terminando, mas nunca me arrependi, nem irei.
Benjamin só recentemente começou a reparar que ela existe, não porque ele perceba que a minha perna é diferente da de outras pessoas, mas porque ele repara nas estampas de tudo e a minha tatuagem é uma estampa na minha perna. Ele cutuca com o dedinho, tenta pegar as partes coloridas, acha divertido como se fosse um desenho em um livro de histórias. Daqui a muito pouco tempo ele vai reparar que não existem muitas pessoas que tenham desenhos na perna, e aí? O que será que ele vai achar?
Eu cresci em uma família bem cabeça-aberta. Tatuagens nunca foram tabu, mas não me recordo de nenhum parente próximo que tivesse um desenho muito grande ou chamativo, mas lembro-me perfeitamente de, naquela fase em que tudo nos embaraça, contorcer-me de vergonha por causa do cabelo flamejante de uma tia. Besteira minha, hoje eu acho o máximo e lamento muito que ela não ostente mais a ruiva cabeleira. Hoje eu me orgulho de ter parentes tão autênticos e diferentes de todo mundo, mas foi um exercício de consciência para chegar a esse pensamento. Outras pessoas nessa mesma família continuam tendo espasmos a qualquer sinal de individualidade, a conjuntura tendo sido a mesma. E eu penso o que devo fazer para que Benjamin se orgulhe de ter uma mãe um pouco diferente.
O fato é que o pai dele também tem tatuagem. Meus amigos mais próximos também tem tatuagens e piercings, ele sempre estará cercado de pessoas diferentes. O problema é que, por mais que a mentalidade das pessoas tenha se desenvolvido em relação à modificações corporais, ainda faz parte do senso-comum o pensamento de que alguém tatuado é irresponsável e leviano, e eu sei disso por causa dos muitos olhares tortos que recebo pela junção dos fatores mencionados no primeiro parágrafo. Ouço mais elogios do que críticas, claro, poucas pessoas tem a falta de tato de criticar alguém por uma escolha tão pessoal, mas essas pessoas existem, e elas não respeitam a presença do meu filho agora, nem respeitarão no futuro.
Como explicar para uma criança o porquê da mãe dela ter levado um puxão de orelha de um completo estranho, por um motivo que ele sequer vai entender? Lembro-me de ter ouvido em algum lugar uma metáfora que comparava os seres humanos à uma caixinha de lápis de cor. Pode-se usar somente o preto e o branco para fazer um desenho, mas ele não fica mais chamativo quando tem várias cores, que contrastam e se complementam? Isso vale para todas as diferenças entre os seres humanos, e cai como uma luva para aqueles rabiscados como eu. É só falar pra ele que mamãe usou todas as cores da caixinha e o fulaninho intrometido só usou o verde: de inveja.
Imagem: http://coracaocivil.blogspot.com
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11 comentários:
Quase chorei lendo, Nanda. Você falou bonito MESMO.
Deixe quem n cuida da vida própria falar da sua. Uma hora eles cansam, ou aprendem que estão perdendo a deles pra observar a de quem simplesmente vive a sua e é bem mais feliz.
E Benjamin vai crescer sabendo disso, pois vai crescer com você, e são os seus valores que vão entrar na cabecinha e no coração dele.
E usar todas as cores realmente é bem mais divertido
=]
Que lindo Nanda. Adoro quando você escreve, depois de ler o seu blog (que acompanho desde o início) eu mudei muitos conceitos, vc fez com que eu percebesse a maternidade com outros olhos, é muito lindo o que vc faz, parabéns!
Só pra avisar, é Nathaly, não sei como trocar esse 'Atelir...'
que delícia de reflexão...
minhas meninas também têm uma mãe "toda colorida" e para elas é absolutamente normal. nunca passei pela experiência de ouvir comentários reprovadores sobre isso, nem na frente delas nem longe, se passasse logo responderia e deixaria claro pra elas como preconceito é um negócio besta pra burro...
e a Chiara é como o Ben, ela fica doida com os desenhos, querendo pegar, vai com o dedinho, investiga, é o maior barato...
bjo!!
Oi, Nanda!
Também tenho uma tatuagem na perna e minha pequena Isadora, de 5 meses, também tenta pegá-la!
Sobre a reflexão sobre as diferenças físicas opcionais: percebo que as crianças pequenas são muito abertas pra isso. Elas ainda não foram "contaminadas" pelos padrões sociais do que é ser homem, ser mulher e etc. E acho que a gente, como mãe, contribui muito para a relação de nossos filhos com essas diferenças. Isadora desde já lida com pais "diferentões": eu, que sempre gostei de usar o cabelo bem curto, raspado à máquina, e o pai cabeludo...
Talvez assim ela aprenda a lidar com as diferenças com naturalidade.
Oxalá!
Um abraço!
Adorei esse post, pq tb sou adepta a piercins e tatuagens e sou uma mae bem alternativa comprada as minhas amigas tb mães. e sempre brinco que qnd a cecília crescer ela vai falar assim (minha mae tem um brinco na lingua) rsrs.
A nossa geração são de pais e mães coloridos, acho que muito tabus serão qebrados.
beijos
hoje é bem mais comum... há 15 anos pus um piercing, noooossa, todo mundo olhava com uma cara!!!!!
Hoje eu tenho tatuagem que vai do ombro até quase o cotovelo, outra na perna, o pai dela então, tem vááááárias enormes... ela nem liga! Ontem ela colocou um adesivo de coração no bracinho e falou "mamãe, lalá" (indicando que a mamãe tinha desenho e a Laura tb!)
Mas as pessoas sempre me olharam diferente, eu sou "a estranha": PM, tatuada, não dou doces nem remédios, a filha nasceu em casa, e tenho alopáticos, tenho a maior cara de "Paty" (olha o preconceito, mas é o que dizem), mas sou evangélica e curto heavy metal!!!!
O mundo está bem mais tolerante hj em dia, para o bem e para o mal...
Bjão,
Cath da Laura
Bananda,
Rosa descobriu a minha tatuagem das costas com uns sete ou oito meses e ficava passando o dedinho nos contornos, acho uma bela metáfora para aprender a tratar com os diferentes, com tanto lidar com gente diferente de sotaque diferente, de raça diferente a pequenina não estranha quando encontra os tios nortistas, nordestinos, negros, mulatos, brancos e agora estamos trabalhando para ela aceitar os argentinos também, esses ela ainda tem medo... Mas como em uma de nossas tantas conversas essa também é uma batalha para nós, ensinar para os pequenos que existe diversidade e todos somos iguais respeitando esta diversidade, seja colorida por tinta artificial, seja colorida e dublada naturalmente de uma forma diferente
Acho que o Benjamin não vai ver problemas em pais "diferentes". Até porque são bem mais legais que os outros.
Fernanda, só faltou dizer o que fazem com sua perna para poder ver o desenho. Mexem de um jeito que parece um livro ou objeto, o qual facilmente podemos virá-lo.
Olá mamíferas,
Apenas passei para indicar uma refleção interessante sobre a maneira como se tenta "treinar" as crianças, como se fossem cachorros ou golfinhos em parques temáticos.
Aqui na Irlanda isso é super comum. Não existe muito estímulo à criatividade e à espontaneidade. Tudo que se espera de uma criança é que diga "obrigada", "por favor" e, a cada ação bem feita, se diz um "good boy".
Aí vai o link:
http://www.irishtimes.com/newspaper/features/2010/0126/1224263110527.html
Beijos!
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