por: Silvia Badim, mamífera convidada
Semana passada estive no Rio de Janeiro, para uma breve viagem a trabalho.
Desde que o Bernardo nasceu tenho evitado viagens longas. Desdobro-me, como posso, para ir e voltar no mesmo dia, para que meu filho não durma sem a mãe, sem o peito, sem o conforto que acredito que só o colo de uma mãe pode dar ao filho. O despertador tocou então às 6 da manhã, com aquele toque sofrido do fim do sono. Levantei na rotina materna: tomei banho, arrumei a mochila do Bernardo, deixei o café da manhã pronto, amamentei, troquei a fralda, beijei meu filho e chamei o taxi para o aeroporto - sempre correndo atrás do relógio, numa luta constante para não perder os horários. Imprevistos sempre acontecem quando temos uma criança em casa, e fogem completamente da pontualidade dos compromissos cotidianos. Ser mãe exige criatividade constante, e uma boa dose de bom humor.
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O caminho foi longo até o aeroporto. Trânsito, fila, confusões, apitos, porta automática, vozes incansáveis. Até que, finalmente, embarquei. De repente lá estava eu, sozinha, com 1 hora e meia de vôo pela frente. Estava incomunicável, o celular não ia tocar, não haveria nada que uma mãe pudesse fazer nas alturas. As mães - como eu, estão sempre ligadas e prontas para atender, qualquer hora, em qualquer lugar. Ser mãe é um estado permanente de alerta. Mas, naquele momento estava totalmente vencida. Abri rapidamente o meu livro e devorei páginas e páginas de uma só vez, tamanha era a sede de ler alguma coisa com calma. Felicidade repentina: aquele momento era só meu. Olhei pela janela do avião e parecia me confundir com tudo que via. Fui invadida por um sentimento incontrolável de liberdade.
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Foi quando apareci de novo para mim mesma: eu - só eu, e o dia inesperado pela frente. Braços abertos sob a Guanabara. Por alguns instantes não existia filho, casa, roupa suja, contas a pagar, alimentação, escovação de dente, nada. Apenas o dia para ser vivido como ele se apresentasse, sem que minha vontade fosse ponderada por um sorriso de criança. Meu Deus, quanto tempo não me via! Sem dúvida estava mudada, amadurecida pela maternidade. Mas eu ainda existia, e pulsava de alegria por essa descoberta, ou melhor, redescoberta da minha própria vontade. Fiquei de pé sobre as minhas pernas, meus braços soltos, despreocupados com outro corpo junto de mim.
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A reunião de trabalho, para a minha sorte, não se alongou muito, e sobraram algumas horas no Centro do Rio de Janeiro - um verdadeiro deleite. O Museu Histórico Nacional foi a minha primeira parada. Enchi meus olhos e minha alma de arte e cultura. Andei depois sem rumo, tomei um café - ainda quente, passei por uma exposição do Euclides da Cunha, pelo Centro Cultural da Justiça Federal e, quanto mais andava e quanto mais via, meu dia se fazia cheio de verdade e intensidade. Fui seduzida pela minha independência.
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Quando voltava para o aeroporto, uma certa culpa pairou no ar. Ser mãe é enfrentar contradições a todo tempo. Estava feliz sem meu filho. Sim, estava feliz, mesmo estando a kilômetros de distância dele. E o pior: com vontade de estender aquelas horas para algumas horinhas a mais. Algo se agitou no meu peito. Percebi então que não posso mais me perder de mim. Tenho que estar alerta para algo mais além do circuito cotidiano, algo que não está em lugar nenhum e em ninguém, mas dentro de mim: minhas descobertas e vivências – minhas, só minhas e de mais ninguém. E que o amor incondicional está lá, e é nutrido também por esses espaços que não se dividem.
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Ocorreu-me que não são só os filhos que tem que brigar pelo seu espaço, pela sua independência. As mães também têm lutar pelo seu espaço, têm que arrumar tempo para a descoberta solitária e interior de mulher e ser humano. Convenço-me desse desafio, e sigo adiante. Uma trégua à maternidade, necessária para que o amor e a admiração entre mãe e filho cresçam ainda mais.
Imagem: www.tipika.blogspot.com
12 comentários:
Adorei o post Sil!
É isso mesmo querida! Precisamos ter e criar espaços!
Beijão!
A possibilidade de amar o outro está na capacidade de amar a si mesmo!
bj,
cã
Não sei se meu filho ainda é muito pequeno ou se eu sou um grude, mas não consigo ficar longe dele. Não consigo mesmo!
Fico agoniada, ligo várias vezes para ver se está tudo bem, morro de saudade!
Acho importante, nós como mães resgatarmos e alimentarmos a mulher que somos. Mas não consigo fazer isso sem meu filho por perto! :D
Beijinhos
Lívia, mamãe do Uriel (1 ano e 4 meses)
Lindo!
Minha pequena tem apenas 5 meses, ainda não ficamos separadas.
De vez em quando me pego pensando em como vai ser. E de vez em quando bate aquele medo de, nessa hora, perceber que sem ela estou perdida, que já não sei quem sou.
Ficamos dependentes dos filhos?
Por enquanto sigo na espera de me descobrir novamente.
Bju gde! =*
Meu filho. Sem ele por perto, é como se faltasse um pedaço de mim. Com ele, parte de mim também se perde.
Como é difícil se equilibrar!
Quando me realizo sem ele e sinto alegria, vem a culpa. E às vezes, sim, às vezes dá saudade de mim mesma. E também vem a culpa.
Bernardo é um um pouco mais velho que Arthur, talvez ainda falte um tempo para eu chegar a essa tal Trégua à Maternidade.
Adorei Silvia!
Beijos
Sil, que texto mais emocionante, nossa lindo, lindo. Tô numa fase tão oposta a essa, a da entrega total, de corpo, alma e algo mais. Hoje o Caetano me acompanha até pra tomar banho, não consigo me imaginar voando alto, mas sei que quando esse dia chegar vai ser uma delícia e uma contradição vivenciar essa liberdade.
Texto bonito, sincero e muito sensível.
Sensacional!
Adorei esse texto, a redescoberta de diversas sensações depois da maternidade é mesmo um desafio.
Beijos
Ana
Sensacional!
Adorei esse texto, a redescoberta de diversas sensações depois da maternidade é mesmo um desafio.
Beijos
Ana
pois é meninas! eu vivi intensamente essa fase "grude". Realmente não conseguia nem pensar na possibilidade de ficar longe do meu filho, nem um só dia. A dor era quase física.
Até que comecei a ter vontade de estar um pouco comigo mesma. E a vontade está crescendo. Fui percebendo como é importante, até para uma maternidade feliz, o nosso próprio espaço. E sigo enfrentando esse dilema!
Beijos!
Nossa Sil! Eu tb mega sagitariana tenho tido pequenas alegrias individuais: voltei a fazer aula de dança e é um momento tão meu que saio flutuando de alegria. Ainda não dormi longe da nina e reluto em pensar nisso , mas amo ter os meus momentos de exclusividade e acho que eles realçam a felicidade de curtir minha filha quando estamos juntas.
bjs,
Tati.
Essa doutoranda tem futuro! Sábias palavras!
Estamos com saudades de vocês nas reuniões do LLL.
Beijo e parabéns!
Silvia, a gente não consegue ficar longe, reclama que precisa dormir, sair um pouco, viver só um pouquinho, e quando consegue, vem aquele sentimento de liberdade maravilhoso, mas sempre tem um pouquinho de culpa...
Ser mãe é tããããããõ bom!!!!!!
Bjos, Cath da Laura
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