por: Tata
Quando escrevi meu último texto, falando da importância da gente pensar positivo, confiar que as coisas vão caminhar da melhor forma, canalizar as energias, fiquei pensando no outro lado da moeda. E quando, mesmo pensando positivo, mesmo evitando se deixar contaminar pela negatividade, mesmo confiando no processo, alguma coisa sai diferente do que a gente esperava?
O senso comum, em uma sociedade como a nossa, que evita a dor a qualquer custo, e é especialista em varrer dificuldades para baixo do tapete, diria que o melhor é deixar pra lá e seguir em frente, afinal, “você fez tudo o que podia, pra quê sofrer se não conseguiu?”.
Eu discordo. Acho que a vida não é assim, e a gente não vem ao mundo com um botão de ‘ligar’ e ‘desligar’ os sentimentos. Se fosse assim, seria bem fácil. Mas não é.
Quando a gente sonha o parto de um jeito, a amamentação, ou seja o que for, e não consegue, é natural sentir-se frustrado. E quando a gente empurra essa frustração, essa dor pelo sonho que se perdeu, pra baixo do tapete, está perdendo uma imensa oportunidade de aprender com o tropeço, crescer, amadurecer, e ganhar forças para fazer adiante, numa próxima oportunidade.
Um sonho que a gente alimenta, acalenta, e na hora H não consegue viver, pelo menos não por inteiro, é uma perda significativa, um luto legítimo. E a gente tem que se dar o tempo de digerir, elaborar e superar a dor dessa perda, sem atropelar o processo, sem querer pular etapas.
Quando o inesperado acontece, quando a dor bate à porta, não adianta virar o rosto e fazer de conta que não é com a gente. Não funciona assim. A única saída pra enfrentar uma situação dolorida é encarar de frente, deixar que a dor aconteça, não negar, não tentar escapulir. Permitir que a dor ensine o que tiver que ensinar. Porque ela ensina, e como ensina.
Eu acredito mesmo que a frustração movimenta uma energia poderosíssima no ser humano, uma força revolucionária que o faz se transformar, amadurecer e encontrar dentro de si o caminho para fazer diferente, em uma próxima oportunidade. Quando a gente se esconde da frustração, repetindo para si mesmo e para o mundo, "tudo bem, eu nem queria tanto assim!", feito a raposa que desdenha das uvas que não conseguiu alcançar, perde uma oportunidade imensa de transformar a dor em trampolim para a mudança. Aproveitar as pedras para construir um castelo, como diz a sabedoria popular.
Eu vivi algo assim, com a amamentação. Com as minhas filhas mais velhas, eu tive uma série de dificuldades, no começo. Foi um custo manter a amamentação exclusiva de gêmeas, uma luta. E quantas e quantas vezes escutei comentários (bem-intencionados, sei disso, mas não por isso menos inoportunos) do tipo: "você já fez tudo o que podia, não se cobre, faça o que é possível!". Mas a frustração imensa que eu sentia, a dor insuportável que me provocava a simples idéia de não amamentar minhas pequenas como eu tanto tinha sonhado, não me deixaram desistir. Deram-me forças para seguir adiante, persistir, superar as dificuldades. Se eu tivesse me permitido deixar a dor pra lá, afinal eu "fiz o possível", teria perdido uma bela oportunidade de descobrir a força que eu nem sabia que tinha.
E o mesmo com o parto. Se eu não tivesse me permitido mergulhar na dor pelo parto sonhado e não vivido no nascimento das minhas filhotas mais velhas, não teria crescido, aprendido e me tornado alguém que pôde viver um segundo parto diferente, redentor.
A frustração, o vazio de não conseguir algo que a gente sonhou e desejou muito vem pra trazer a medida da importância das coisas. E se a gente perdeu algo que era importante, tem mais é que chorar mesmo, deixar que a dor aconteça, viver a perda. É só assim que a gente pode superar de verdade, e seguir em frente de coração renovado.
Já dizia Adélia Prado, linda e sábia:
"Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais, é pra ensinar a gente a viver. Desdobrável. Cada dia mais rica de humanidade."
* trecho da canção "Eu Só Peço a Deus", só pra continuar nos títulos musicais... ;-)
imagem: www.gettyimages.com.br
4 comentários:
Exatamente. É essa superação que me faz lutar desesperadamente pelos partos alheios. Não é bom quando a gente transforma a superação em ação?
Beijos
Então, Rezinha,
tudo fluindo bem, foi um susto e meu bebezinho está crescendo!! Mas tive que sentir que as coisas podiam sim fugir das minhas vistas, viver isso, e ao mesmo tempo entender que a concentração, o amor e o carinho da minha família (que passava pelo da minha mãe que estava há tempos afastada) eram super importantes pro meu restabelecimento. São tantas coisas nessa nossa vida, ne? que nem sempre estão só em nossas mãos, que não dependem só da gente, descobri-las, vivê-las e entende-las, ter uma certa humildade diante da vida, talvez seja tão importante quanto os momentos bons mesmo.
Lindo texto!!
Um beijão e obrigada pela força!!
eu ainda estou sentindo o gosto da dor, mas já vejo em mim esses sinais que a Nanda falou, nunca mais vou me calar e nem ter preguiça de mostrar/defender para os outros o sentido de lutar pelo direito de parir com dignidade.
beijãozão
Nanda e Mari, acho que não tem caminho melhor que esse. transformar a dor em mudança, em revolução. é isso aí!
Rê, tô aqui te mandando muitas boas vibes, viu? eu acho q é bem por aí, a gente fazer tudo o q pode, e sacar q a partir de um certo momento, é o imponderável, não depende de nós. e aí, é abrir os braços para o que vier, seja lindeza ou seja dor. e aprender com as duas.
bjo!
Postar um comentário