por: Kalu
Um adulto que luta por seus ideais, enfrenta o estabelecido e vai além é alguém que nos deperta admiração e respeito. Quando nossos filhos começam a ampliar seus horizontes e expressar suas vontades, costumamos usar adjetivos pejorativos como criança birrenta, pirracento etc.
A primeira forma de comunicação da criança é o choro: choro de incômodo, de necessidade de aconchego, de fome, de frio. É muito comum ouvir por aí que o bebê está manipulando os pais ou cuidadores. Oras, uma criança abandonada por alguns minutos em eras mais primitivas seria devorada por predadores. Estar perto de quem lhe dá amor, carinho, aconchego e comida é uma necessidade fundamental para o desenvolvimento. Ao visitar um orfanato tempos atrás me lembro do silêncio e apatia dos bebês. A cuidadora me explicou que logo que chegam eles choram muito, mas depois acostumam e ficam educados.
Eu sinceramente não acho que uma criança apática é educada. É um pequeno ser que sabe que sua demanada de cuidado não será prontamente atendida, uma criança que terá lacunas existenciais profundas. Sei que muitas vezes precisamos trabalhar, deixar os pequenos longe. Mas é sempre importante saber que eles precisam de nós, em quantidade de tempo e qualidade, principalmente quando são muito novinhos.
Toda esta dedicação de tempo será fundamental para criar uma estrutura emocional para que, gradativamente, eles criem independência e segurança. Outro ponto é sobre o que consideramos ser birras: a criança que quer ir para um lugar perigoso ou pegar algo que não pode. Neste caso penso que diálogo e repetição ajudarão a fazê-los entender que não pode. Primeiro definir que, o que pode, pode sempre e o que não pode, não pode nunca.
Aqui em casa temos um jardim de inverno com pedrinhas minúsculas. Quando Miguel era pequenino, sempre que ele ia lá, eu o tirava e dizia: faz aiai e oferecia outro brinquedo/brincadeira. E era um verdadeiro exercício de paciência pois isso se repetia mais de 10 vezes. Até que ele deixou de ir lá.
Percebo também que estes momentos de birras e pitis estão ligados a necessidades básicas não atendidas: fome, sono, cansaço. Esta é sempre minha primeira checagem: se for isso, procuro permanecer ao lado dele, com a maior calma possível e me mobilizo para atender à necessidade.
Agora com 2 anos e meio, lido também com situações em que ele testa a autoridade. Por exemplo, esta manhã pegou meu óculos e saiu correndo. Pedi para ele devolvê-lo e ele lançou o óculos longe. Peguei os óculos, depois peguei-o no colo e coloquei-o sentado. Pedi que ele me dissesse o que fez de errado. Ele chorava e gritava que não ia dizer, que queria sair. Eu repeti a mesma pergunta e depois fiquei em silêncio, colocando-o várias vezes sentado. Mas estava ao lado dele, presente. Foi então que depois de chorar certo tempo ele me disse que havia jogado o óculos e que se quebrasse, a mamãe não iria conseguir ver direito e pediu desculpas.
Aprendi também que Miguel gosta de sentir-se útil. Hoje ajuda a tirar as compras do carro, a guardar os legumes na geladeira. Todo este processo demora o triplo do tempo. Mas sei que lá para frente estes momentos de pertencimento farão muito sentido para sua vida.
Gastei longas horas ensinamendo-o a subir e descer as escadas daqui de casa, a explorar os morros do quintal. E desta forma, ao invés de privá-lo dos perigos, mostrava a melhor maneira de enfrentá-los. Com menos de 2 anos fomos a um parque com vários “desafios” para crianças maiores. Debaixo ia orientando como passar por cada um dos obstáculos. Ao longe uma mãe me observava e depois que sentei com ele para descansar ela me disse:
- Você não deveria estimular que seu filho faça tanta arte. Depois ele vai fazer isso na sua casa.
Disse para ela que ele nunca tinha subido em lugar nenhum, além das árvores do quintal, nem muito menos riscado peredes, pintado sofá. As tintas, assim como as árvores ficam do lado de fora para que ele possa usufruir suas habilidades corpóreas e artísticas com liberdade.
O mais engraçado é que sempre observo o olhar do meu filho a buscar meu consentimento para seus desafios. Um dia ele estava com sua madrinha em um lugar perigoso e ela disse para ele não ir. Quando cheguei ele olhou para mim e foi em direção ao local mais perigoso. Ela me reprimiu dizendo que ele não me respeitava. Eu disse:
- Filho, vem por aqui e lhe apontei um caminho mais seguro.
Uma coisa que noto é que muitas vezes, quando não estamos presentes de verdade, os pequenos usam formas para chamar a atenção. Outras vezes suas artes apenas são experimentações.
Outro dia estava em casa sozinha com ele e receberia visitas. Tentava colocar a casa em ordem e estranhei que ele ficou por muito tempo em silêncio, aquele que a gente conhece que algo está fora dos padrões. Quando cheguei lá fora, ele tinha capturado um espremedor de batata, molhado a ração do cachorro e espremido fazendo uma bagunça tão grande que não sabia por onde começar. Quando comecei a recolher ele começou a gritar, jogar-se no chão. Naquele instante eu parei para ouvi-lo:
- Eu fiz essa sopa pá você. Não joga fora.
Então percebi que a atitude dele apesar de inadequada estava repleta de boas intenções, descobertas e experimentações. Sentei com ele e brincamos de tomar a sopa. Depois expliquei que aquele papa era do cachorro e que ele podia brincar com folhas, no lugar e desde então ele passou a fazer.
Por isso, antes de dizer que seu filho é terrível procure fazer uma análise do que existe por trás daquela atitude. Troque o grito e o tapa por uma ação educativa de cuidador consciente: procure entender e esteja presente integralmente para que vocês consigam encontrar uma forma pacífica de solucionar esta questão.
E vocês, o que pensam das crianças terríveis? Já conseguiu ver em uma atitude aparentemente errada um potencial a ser explorado?
9 comentários:
O texto ficou lindo! Meu filho sempre brinca com tintas, hidrocor, massinha e tudo que faça melança, mas nunca sujou as paredes de casa ou o sofá que é branquinho... a única vez que ele fez menção conversei com ele e expliquei que o lugar da pintura era no papel, as vezes parece uma briga de paciência, mas no final eles entendem, e ficam mais tanquilos e seguros...
Minha cunhada diz que meu filho é um anjo, e o dela um diabinho... por que será?
Kalu, ainda não tenho filhos, esse é um doce sonho acalentado aqui dentro e que com certeza chegará o dia de se realizar...
Porém, como amante da maternidade e de bebês e crianças, "infiltro-me" nesse mundo da maneira que posso, e assim o faço com meu afilhado. Ai Kalu, eu realmente não sei o que faço. Não convivo muito com ele, mas quando estou com ele, tento aplicar todos esses meus "aprendizados mamíferos" mas infelizmente não dá muito certo.
A razão de tudo isso é a criação que ele recebe. A mãe, muito imatura e que não desejou o filho (engravidou por "acidente"), maltrata muito o menino, bate demais, grita, deixa largado, xinga e muitas outras coisas nessa linha; o menino obviamente é agitadíssimo e igualmente violento, com certeza cada vez mais apronta pra exteriorizar essa sua carência de amor e atenção.
GOstaria muito de saber como ajudar, evitar essa falta de infância, e proporcionar o lúdico e o doce que ele está vivendo, pelo menos nos poucos dias que o vejo. Não quero conversar sobre isso com a mãe pois ela, apesar de no fundo saber que está errada, já deixa claro que não quer intromissões no modo de "criar" seu filho de dois anos e dez meses apenas.
Então é isso Kalu, um dos dilemas de minha vida, sei que não tem muita solução, mas dói saber que tem uma criança (mto próxima de mim) cheia de energia pra curtir a vida como criança e que não passa um dia sequer sem sofrer uma violência da própria mãe, seja ela verbal ou fisica.
Beijos
Pequena correção no penúltimo parágrafo: me refiro ao lúdico que ele DEVERIA ESTAR vivendo, e não ao que ele está vivendo, como eu disse.
Kalu,
eu nao seis e é pq o Miguel é mto novinho e sua experiencia é diferente da minha, mas...
O meu primogenito ja fez pirraça na rua tipo... na praça de alimentaçao no sabado a noite. Ele esperneav, quase uma convulsao. Ele queria ir ao parquinho e anets de explicarmos que nao dava a coisa toda começou.
Tem situaçao que nao parece ser nada do que vc falou: nem necessidade nem uma simples disputa de poder.
Qd nao havia nada para fazer, eu calmamente saí de perto, fiquei observando com meu marido e ele nem vinha.
Tivemos que pega-lo para nao tomar um esporro dos seguranças.
Nao foram tanats vezes assim, mas qd acontece deixa a gnt sem chao.
ASgora... "madrinha", dona beata! hehehehehe
Vc da a raçao vegetariana ne?
Esta vc ate comeria da sopa do Miguel, cheirosa e sem crueldade.
Bjks
Oi Barbara - Pois é. Educar dá muito mais trabalho e efeito do que condicionar.
Natália - Infelizmente não há o que fazer neste caso. Sugiro que você converse com a mãe, dê um bom livro de presente e intensifique sua presença. No mais é saber que cada um tem este aprendizado nesta vida.
Dydy - Seu filho, pelo que entendi, querida ir ao parquinho. Para ele é a coisa mais importante. DEo mesmo jeito vc gritaria se uma médica quisesse fazer uma cesárea em uma mulher com bebê encaixado e dilatação completa (rs). Acho que estas birras também são como a febre: uma catarse para uma maturidade emocional.
Aqui em casa acontece a mesma coisa, foram pouquissimos os episódios que a Bruna quis "desafiar", testar limites e essas coisas porque desde muito pequena eu sempre expliquei e conversei muito os motivos de tudo. Mas eu sempre a escuto e respeito os limites dela.
Numa última vez ela teve uma crise de choro, escandalosa mesmo e eu perguntava mil vezes o que havia acontecido e ela dizia "NADA", eu fiquei ao lado dela e quando perguntei mais uma vez o motivo ela disse "Eu quero chorar mamãe!", então eu disse "tudo bem filha, a mamãe vai ficar aqui". Após passada a "vontade" ela veio me abraçar e disse "obrigada". Aquilo me fez ver mais ainda o qto faz bem respeitar esses seres de luz.
Sempre fui julgada de louca por ficar conversando e explicando tanto prum bebê tão pequeno, que ela nunca me entenderia... mas agora com 3 anos ela mostra o quanto entende e compreende.
Também tenho um "sobrinho" que tem a mesma idade dela e tem uma educação recheada de gritos, tapas e violência, a mãe dele usa o mesmo discurso comigo, que tive sorte e que a Bruna é um anjo, mas eu só vejo o menino entrando na porrada... nunca poderia ser de outro jeito né?
beijos!
Ai Kalu, vc apelou agora!
A questao é que ele nao me deu a menor chance... Alem disso ele aproveitava 9agora menos) da presença de outras pessoas para conseguir as coisas que queria.
Existem coisas que nao sao simplesmente pirraça.
Tem coisa que nem da pra falar por aqui.
E olha que eu sou de conversar, de compreender, de me colocar no lugar. Mas tem hora que entendo outras posturas mais "radicais" se é que me entende... rs
Bjks
KAlu, há muito tempo eu esperava esse post seu. Obrigada!
Olá! Conheci seu blog através de uma amiga minha, a Carla.
Não sou mãe, mas sou psicóloga e au pair, no momento.
As vezes tenho algumas dificuldades com a minha princesinha e são as mesmas que vc relatou acima. Sei como proceder em certas situações, mas qdo não se trata do SEU filho, as coisas se tornam mais complicadas.
Muito interessante seu blog. Parabéns!
Beijos
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