por: Tata
Uma coisa que me angustia sempre, como mãe, e mais ainda agora, que minhas pequenas vão crescendo, tornando-se mais atentas à realidade que as cerca, adquirindo consciência do mundo, é como apresentar aos filhotes as contradições, cruezas e feiúras desse contraditório mundo em que vivemos.
Um exemplo próximo, cotidiano, é a pobreza. A miséria. A fome. Como apresentar isso aos olhos de uma criança? Com minhas meninas, diariamente, no trajeto de casa para a escola, ou na ida à casa da avó, ou em uma saída para um almoço fora de casa, acabamos tropeçando em ranços da triste realidade social que predomina em nosso país: pessoas dormindo nas ruas, crianças pedindo dinheiro nos semáforos, barracos montados sob viadutos.
De vez em quando, elas me perguntam: "mamãe, por que o moço está dormindo na rua? ele não tem casa?". Eu sempre me embanano com a resposta. Por um lado, quero preservar nelas essa esperança ingênua no futuro, esse olhar poético e desinteressado da criança diante do mundo. Quero que elas tenham tempo para acreditar que a vida é boa, que o mundo é um lugar agradável, que existe bondade, pureza, finais felizes. Quero que elas tenham ainda bastante tempo para enredar-se nas teias poéticas dos contos de fadas, na vida cor-de-rosa do "felizes para sempre". Acho importante, saudável, positivo. Por outro lado, não quero que cresçam alienadas, que ignorem o sofrimento alheio. Quero que enxerguem além do próprio umbigo, e que saibam o tanto de coisas erradas que há por aí. Quero que aprendam a indignar-se, a não se conformar, a não virar os olhos e deixar pra lá.
Mas em que medida? Quando? De que forma? Confesso que esse é um meio-termo que ainda não consegui descobrir. Não sei bem que tipo de informação elas estão preparadas para absorver, qual o impacto que a nossa realidade, tão nua e crua, terá na cabecinha delas, ainda tão cheia de fantasias e esperanças.
Tento ir explicando, a meu modo, que o moço dorme na rua porque perdeu a casa, que nem todos têm uma casinha confortável como nós temos, e que isso é muito triste. Mas também não quero ensiná-las a ter pena e seguir em frente. Porque é assim que a gente se acomoda, e acomodação é o primeiro passo para a indiferença.
Elas ainda não percebem o alcance da realidade, apenas vislumbram. No fundo, devem achar que quem mora na rua tem também sua caminha, seu prato de comida quando bate a fome, seu cobertorzinho para aninhar-se debaixo quando bate o frio. Na realidade delas, qualquer coisa diferente disso deve beirar o inconcebível.
Não quero atropelar as coisas. Sei que elas vão aprendendo a lidar com a realidade, no seu tempo. Mas fico em dúvida de qual é o melhor caminho para ajudá-las nesse aprendizado. Como posso ensinar-lhes esse equilíbrio delicado, que eu mesma ainda luto por compreender, entre indignar-se e não perder a esperança, entre encarar a realidade de frente e não deixar-se dominar pela amargura.
E vocês? Pensam nisso também, ou é tudo minhocação excessiva dessa minha cabecinha de "mãe-mamífera-meio-intelectual-meio-de-esquerda" (ouvi essa de uma amiga em uma lista de discussão, e achei a definição bárbara!!)?
Imagem: www.gettyimages.com.br
Um comentário:
Tata, acho que a matuuridade das perguntas dela é que indicarão as suas respostas. Eu acho inevitável e importante esta tomada de consciência real do mundo: quem enm todas as pessoas têm casas, que nem todas as crianças só brincam. Digo real porque isso não é da televisão, está no trajeto delas. Uma coisa que faço sempre é juntar os brinquedos do Migue e de Tempos em tempos distribuir na periferia (com ele junto). Enfim, pode ser uma idéia para vocês: arrecadar coisas e levar em um orfanato junto com elas.
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