
por: Kathy
Ontem, ao chegar na escola para buscar o filhote, uma das coordenadoras me interceptou dizendo: mamãe, o Samuel se machucou levemente hoje. Levei um sustinho, mas logo o avistei na porta da sala, e nos 5 segundos que demorei pra chegar até ele, conferi doze vezes sua integridade física geral. Ele estava bem, não fosse uma marca feia de unhada bem abaixo do olho esquerdo. A professora dele me olhou, lamentando "foi uma disputa de brinquedo, tão rápido que não consegui separar". Samuel já entregou logo: "Marquinhos* me bateu, mamãe".
Marquinhos é o melhor amiguinho do Samuel. São inseparáveis, se adoram. Tanto que na mesma hora que Samuel veio ao meu encontro Marquinhos veio logo atrás e provavelmente percebeu que eu estava ali analisando o estrago causado. Ele tem dois meses e a menos que o Sam e um palmo a menos de altura também. É um garotinho tão tranquilo e sorridente quanto meu menino.
A mãe do garoto chegou na sequência, e também foi interceptada pela coordenadora e pela professora. "Marquinhos machucou um amiguinho hoje!", a professora anunciou discretamente para a mãe que recepcionava o baixinho. Situação chata, uma olhando pra cara da outra, um sorrisinho sem graça, enquanto os dois pequenos se abraçavam e gargalhavam juntos sem nem se importar com a cena. A mãe do pequeno passou a mão na cabeça do Sam e na do próprio filho, e sentenciou, finalizando a conversa: "Coisa de criança, né?"...
Claro que é coisa de criança. Mas é preciso ensinar para as crianças que elas não podem machucar ninguém. É preciso mostrar até onde eles podem ir sem agredir. Claro que nada justifica uma reação violenta, mas eles ainda são pequenos, e tudo é muito visceral, tudo é muito forte e imediato, e assim como eles têm necessidade de demonstrar o carinho e o amor, eles expressam também com muita verdade e paixão as suas raivas e desagrados. Regras sociais ainda são algo distante, tudo que cai em suas mãos é deles, é difícil entender que é preciso esperar um pouco por um brinquedo. As professoras da escola tem um papel importante, é claro, pois estão ali no exato momento em que o problema acontece, mas acho que nessa hora são os pais quem apontam limites e exemplificam as consequências.
Meu filho também teve fases de morder e de bater em outras crianças, e sobre isso tivemos longas conversas em casa, e tenho certeza que ainda teremos. Ele já teve reações agressivas até mesmo comigo, e em cada vez que isso aconteceu mais uma rodada de conversa acontecia. Eu não sei se ele já entendeu bem, mas imagino que sim, pois o problema não se repetiu. Estarei disposta a explicar quantas vezes forem necessárias. Como a mãe do Marquinhos lida com a violência e a agressividade dele eu não sei, mas tomara que ela não espere que seu filho de dois anos e quatro meses entenda sozinho o que pode ou não pode fazer.
Posso estar enganada, mas sinto que ainda é difícil para meu filho entender por que ele "não pode" bater nos amigos, mas os amigos "podem" bater nele. Explicarei ao Sam da melhor forma que puder que Marquinhos ainda não entendeu que bater num amigo dói, e que talvez precise da ajuda dele, da mamãe dele e da professora para tentar aprender.
Acho que o principal é isso, fazer nossa parte com coerência, transmitir os valores que acreditamos, independente de qual seja a influência de fora. A gente faz a nossa parte, mas a influência do mundo pesa bastante, as contradições vão surgindo, as diferenças de pensamento, de criação, de conceitos vão saltando à nossa frente, e nessa hora temos que nos manter firmes no que acreditamos, no que consideramos correto, aceitável, e certo. É um caminho que não termina, um trabalho de conscientização mesmo que a gente faz dia após dia, ensinando, explicando, reafirmando, voltando a explicar, e sabendo que os pequenos poderão questionar tudo isso a qualquer momento, e com toda razão.
*Marquinhos é nome fictício
Imagem: www.gettyimages.com.br
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