por: Jobis - mamífera convidada
Muitas pessoas dizem que eram melhores mães antes de terem seus filhos. No meu caso, tenho de admitir justamente o inverso: eu não sabia coisa nenhuma de maternagem, até que tivesse meu filho. Entendo por "maternagem/maternar", nossa postura diante da maternidade, o exercício de vivenciá-la, a forma como nos sentimos a respeito e o que desejamos para nós e para nossos filhos.
Uma das coisas que a maternidade faz conosco, é nos jogar de cabeça nas recordações de nossa própria infância. De repente, vi-me fazendo uma espécie de reciclagem dos métodos educativos de meus pais, a fim de aproveitar o que me serviria agora e de me livrar dos condicionamentos aprendidos naquela época que destoavam completamente daquilo que eu desejava fazer.
No começo, instintivamente, era uma cópia fiel da minha própria mãe: carinho, mas esperava uma certa submissão, aquela idéia antiga de "você tem que me obedecer porque eu sou sua mãe", e daí por diante. Nesse modelo, surras ocasionais eram permitidas e gritos, bem, apenas uma arma pedagógica um pouco mais contundente.
Com pouquíssimo tempo de prática, eu me vi de cara com a realidade: não funciona! Ao menos, não com meu filho. Ele não vai me obedecer porque eu sou mãe dele, embora, esteja certa, ele me ame, deveras; gritar? Esqueça. Ele simplesmente não entendia que eu estava brava e começava a gargalhar na minha cara, o que fatalmente me colocava na iminência de lhe bater... o que nunca consegui.
Uma vez, quando usara esse método durante toda a tarde, às quatro horas me encontraram absolutamente histérica enquanto gritava ao meu filho, pela oitava vez, que ele não podia mexer no armário. A argumentação dos seus nove meses foi gritar também, o que, segundo o método que eu seguia, era uma afronta sem fim. Bem, eu explodi: sacudi-o vigorosamente. Ele parou de gritar, mas senti que estava assustado. Se ele estava assustado, eu me senti um verdadeiro monstro, daqueles abomináveis e perigosos. O que eu estava fazendo, meu Deus? Se eu me permitia sacudi-lo aos nove meses, o que faria quando ele tivesse nove anos?
Aquele foi um divisor de águas na minha maternagem. Chorei durante todo o banho. Rezei, questionei, descabelei e, mais uma vez, visitei minha infância. Desde então, abandonei os gritos e os rótulos e acusações. Bater é algo que simplesmente não se usa dentro dessa casa, e estou certa de que ainda é assim. Obediência? Ele a dá, na medida em que possa e na medida em que sejam possíveis as coisas que lhe peço. Mas, sobretudo, somos muito amigos, as coisas funcionam e eu não vivo à beira de um ataque de nervos.
Isso talvez dê a falsa impressão de que somos permissivos e de que nosso filho de um ano e três meses vira a casa de pernas para o ar. Nunca. Maternalmente falando, sou do tipo chata, e muito chata. Tudo que eu fiz foi mudar a forma de fazer as coisas. Desisti de tudo para ficar só com o amor e traduzi-lo em ternura. Sei que para muitos soa surreal; sei que ele só tem um ano, portanto, muito pouco tempo para eu garantir a eficácia.
Mas o resultado tem sido magnífico, para todos nós. Se ele mexe no armário, abaixo-me ao seu nível; seguro-o pelos ombros, de modo a atrair sua atenção e digo: Mamãe não quer que você mexa aí. Você pode se machucar ou estragar algo importante. Vamos... (e sugiro algo que ele possa fazer).
Normalmente ele desiste do armário e vai comigo para outra coisa (aprendi que simplesmente pedir/ordenar que ele deixe o armário sem outra opção não funciona se eu não indicar algo que ele possa fazer). Quando ele insiste, continuo abaixada ao lado dele e repito que não quero que ele mexa no armário e ofereço mais outra opção.
No máximo da terceira vez, ele deixa, exceto se estiver com sono ou com fome; nesse caso ele chora, tenta me demover, ou simplesmente sai correndo e berrando pela casa. Sempre que ele faz algo que me deixa feliz, deixo-o ver isso muito claramente. Abraço-o, bato palmas e faço de tudo para que minha alegria e meu contentamento ganhem minha voz e a expressão corporal; quando ele faz algo que me desagrada, digo-lhe, mas sem gritar, que aquilo não foi bom, por isso e por aquilo, mas que estou certa de que ele vai fazer melhor.
Claro que não consigo ser assim todo o tempo. Claro que às vezes outra coisa me irrita e eu acabo transferindo pra ele. Mas aí, bem, o que resta a fazer? Peço-lhe desculpas. Digo-lhe que estava chateada com outra coisa e transferi pra ele. Não sei de tudo isso quanto ele entende cognitivamente, mas pressinto que a essência fique no seu coração.
Penso que estou mais que cuidando de uma criança ou transferindo-lhe valores. Sei lá, acho que nossos filhos são seres que enviamos ao mundo, que a gente não sabe onde vão cair... que a gente até queria, mas não pode proteger de verdade... e que o melhor que podemos fazer por eles é plantar em seus corações o melhor de nossa própria essência...
Mas como queremos lhe dar mais que o que somos, temos que nos melhorar para mais lhes poder ofertar. Eu sei que ele só tem um ano e tenho muito tempo para discordar de tudo que digo e faço e sinto, mas, sobretudo, essa tem sido uma experiência de amor... e, embora deseje que dure por décadas a fio, pode ser interrompida a qualquer momento, porque nenhum de nós tem garantia de viver por largos anos.
Assim eu tento, desejo, que essa seja uma experiência de amor... Que possamos extrair o máximo de vida, de cor, de amor, de boncade, de respeito, de realização em nosso dia-a-dia. É tudo, penso.
Imagem: http://www.gettyimages.com.br/
4 comentários:
ai ai, que prazer que é te ler, menina!
beijos com carinho!
Adorei seu texto, querida. É exatamente isso que penso. Pratico yoga, meditação e estudo comunicação não violenta. Para construirmos uma sociedade de paz precisamos entender que o que fazemos, pensamos e sentimos se refletem em nossos filhos.
Como que é isso de comunicação não-violenta? Caso ainda não tinha feito, importava-se de escrever algo para a gente aqui, elencando esse tema e a educação dos filhos?
Francamente, depois que me tornei mãe entendi porque tem tanta mãe estreçada por aí. Esse lance de impor a autoridade o tempo todo é profundamente exaustivo!!!!!!! Quanto ao "outro método", a cada dia acredito mais nele. O tempo dirá.
Carinho e valeu outra vez,
JObis
Cheguei aqui pelo link do Desabafo e adorei. lendo esse post não pude deixar de comentar: aconteceu algo muito parecido comigo, mas com minha filha um pouco mais velha, em torno de 2 anos e meio. Tenho contornado a situação depois da gota d'água, que foi uma tarde de gritaria, choro, castigo. Embora o estresse em casa sempre tenha sido a hora de comer, nesse dia foi porque, depois de um almoço desgastante, ela se recusava a dormir. Só isso. Depois, choro, marido vindo mais cedo do trabalho pra nos acudir, banho frio, culpa, ressaca. Nunca bati nela, primeiro porque sou contra na teoria, segundo porque tenho medo de bater e numa crise como essa perder o controle. Mas fui muito, muito agressiva, agressao psicológica.
Já passou, mas é algo que precisa ser vigiado, trabalhado. Minha terapeuta sempre fala que nessa situação, nunca somos apenas eu e ela, tem tb uma terceira pessoa: minha criança ferida. E haja terapia e amor pra lidar com tudo isso.
Obrigada por compartilhar sua experiência, as pessoas não gostam de falar sobre isso, mas é muito importante essa troca de experiências.
Um beijo,
Renata
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