por: Geozeli - Mamífera convidada
Há poucos meses fui ao aniversário de uma grande amiga e lá encontrei uma colega de colégio que tem um filho de 6 anos. Éramos as únicas daquela turma que tinham filhos.
Desenrolando uma conversa sobre parto, descobri que ela teve um parto natural por opção, pois na época achava que parto deveria ser fisiológico. Ela foi atendida na mesma instituição que eu escolhi para o meu parto, uma das poucas que permite o parto natural em Belo Horizonte. Ela, assim como eu, foi atendida na Casa de Parto, espaço acolhedor e com liberdade para acompanhantes. Eu, porém, tive uma cesárea. E o que ela pensa hoje, sobre parir?
- Nem penso em ter outro filho. Mas se eu tiver, prefiro uma cesárea!
Outra mulher da conversa perguntou se parir doía mesmo. Eu disse que dói sim, mas que é uma dor tão boa, que a gente quer senti-la todo dia. Já a outra mãe respondeu:
- Dói demais. Não achei nada bom.
E a conversa foi desenrolando parecendo um papo de doido: tínhamos “entrevistadores” e duas mulheres dando testemunhos opostos do mesmo acontecimento. Até que uma pessoa falou “não sei em quem acredito!”
E esse evento ficou na minha cabeça. Encuquei em entender como podíamos ter tido experiências tão diferentes de um evento tão parecido! E aos poucos fui esboçando possíveis explicações.
Eu engravidei de um relacionamento estável, casada, morando em uma casa própria construída por mim e meu marido; curso superior finalizado; sempre desejei uma família de pelo menos 4 filhos; sempre trabalhei com o que gosto, estando realizada profissionalmente mesmo sendo ainda uma menina, e por aí vai... Ou seja, a vida andava uma beleza e eu pude me canalizar a uma gestação tranqüila, saudável e ainda contar com o apoio do grupo Bem Nascer.
Já ela, engravidou assim que terminou o Ensino Médio, por acidente, de um namorado do colégio, cujo relacionamento durou pouco depois da gravidez, morava com a mãe e assim continuaria. Como ela é uma conhecida e não uma amiga, só sei dos fatos, não sei do coração e da alma dessa mulher.
Mas como uma mulher que buscou parir, ouso dizer que a dor do parto dela deve ter sido de fato maior que a minha. Possivelmente ela tinha mais coisas e medos para parir e menos apoio que eu. O curioso é que ela pariu, e eu não: meu filho nasceu de cesárea indicada por uma desproporção cefalo-pélvica. Dá pra entender? O plano dela deu certo e ela não quer repetir nunca mais. O meu plano deu errado e eu quero o parto natural com mais garra que antes.
A vida tem seus muitos mistérios. Conseguimos tocar algumas explicações, mas tantas ficam para trás. A mim importa, nesse momento, compreender de onde veio a minha dor do parto e o que eu faço com ela. Já sei que não quero fugir da dor, sei que ela não me imobiliza, que a partir dela posso acessar lugares em mim que desconheço.
Depois da experiência de um Trabalho de Parto, a minha relação com dores e saúde ficou alterada, me deixando mais tolerante com as mazelas do corpo, intervindo menos e criou em mim uma mãe que desempenha o papel de doula do filho diante de um incômodo que é só dele (como cólica e febre). Eu fiz algo com essa dor!
A dor do parto, vivida e relembrada, tem me colocado no caminho de ser mais humilde, deixar a razão abaixar a cabeça e se oferecer para que a natureza cumpra seu papel. Uma luta todos os dias de entrega e aceitação.
E isso só se corporificou em mim depois da experiência de entrega inevitável do trabalho de parto – e talvez eu nem tenha me entregado o suficiente. Tenho no corpo a memória de aguardar, permitir; ações que eu poderia comandar mentalmente, mas que não eram bem obedecidas por não haver registros físicos suficientes.
Percebo que a relação que cada mulher tem com o próprio parto é bastante particular e que cada uma sente apenas a própria dor. E cabe à equipe de assistência ao parto colaborar para que a dor não se transforme em sofrimento e que a experiência do parto seja positiva sempre, fazendo a mulher almejar mais partos.
Voltando à colega da minha história, imagino que ela não tenha tido o apoio que desejava durante o parto; e o que nos difere, em especial, é o fato de ela ter sofrido e eu ter apenas sentido dor, embora o meu TP tenha durado o dobro do tempo do Tp dela.
Demais compreensões eu não alcanço, ainda. E continuo desejando que todas as mulheres tenham o direito de serem felizes através e por causa de seus partos, e que nossa cultura permita cada uma parir tudo que precisa, para que a dor tome rumo na vida de cada uma.
Olá!
Mudamos de endereço.
Você pode nos encontrar em www.blogmamiferas.com.br a partir de agora.
15 comentários:
Que texto lindo!
Beijos.
Nossa, amei! Vc escreve bem...Realmente há uma diferença muito grande quando uma gravidez é planejada..
Lindo, lindo, lindo!
Além de bem escrito!!!
Ahhh!!!! Eu PRECISO parir mais!!!!
Hehehehe
Como prêmio, muitos partos deliciosos!!!!!!
Inté!
Geo, gostei muito do seu texto...tive um parto normal com todas as suas glórias e durezas e anseio por um parto natural no próximo. Seu texto me fez pensar na mulher que eu era, a que sou e na que serei.
Pensar e sentir.
Obrigada!
Tatiana.
Eu também entendo que o meio e o canal desde o primeiro momento faz toda uma diferença, diferenciado um parto com apoio (moral e fisico) de um não.
Também chego a me questionar se essa pessoa não viu vantagem em um parto natural quando tudo sobrou pra ela e o futuro podia parecer ingrato, e não viu prosperidade quando sabia que não tinha mais o amor de quem a ajudou procriar.
E às eu me questiono se existem mulheres humanizadas e mulheres que optam pela humanização (?) O que explicaria o sofrimento da dor do parto para aquelas que optam pela humanização, mas para as humanizadas a busca pela perfeição contínua do parto humanizado. E então explicaria também porque elas só enxergam a dor como dor e não a veem como sofrimento.
Uma vez recebi um e-mail que dizia que o corpo humano só consegue suportar 45 Del (unit) de dor, mas que uma mulher parindo chega a sentir 57 Del de dor. O que seriam mais ou menos similar a uma fratura de 20 ossos.
Completava dizendo que mãe era a pessoa mais bonita deste mundo, nossa melhor crítica, nosso mais forte suporte, e que portanto devemos amá-la por demais.
De qualquer forma, existem mães para todos os gostos. Nem todas querem admitir essa força. Nem todas querem se sentir mãe assim.
Belo texto, ótimo assunto!
bjs
Fran
Belo texto, muito lúcida sua reflexão sobre a dor do parto e mais ainda sobre como conseguiu canalizá-la para seu crescimento pessoal. Parabéns! :)
Lindo texto !?!?!
Refletindo acerca de suas palavras, concluo parir pe mto mais do que dar a luz a um filho, é dar vida, é deixar pra trás uma vida inteira e começar de novo. tudo muda, o corpo muda, a cabeça muda, o coração muda, as referencias e prioridades são outras.
Talvez seja por tudo isso que tantas mulheres morrem de medo do parto natural, porque parir naturalmente é bater de frente com a nova realidade, é sentir a dor e a delicia da mudança para a nova vida ?!!?!?!?
"Junto com um filho, nasce também uma mãe"
Oi querida Geo. Lindas reflexões!
Mais bonito ainda o seu crescimento com a experiência. Confesso que eu não tinha me atentado para isso ainda, apesar de fazer, incoscientemente uso da minha força feminina .... rs
Agora a minha pulga que não sai de traz da orelha é porque algumas mulheres despertam para a vida, para o feminino, para a experiência do parto e outras, mesmo passando por tudo isso, se escondem atrás da dor. Sinceramente ... entendo que o contexto: casamento, vida estável, etc possa contribuir, mas conheço pessoas que não tiveram nada disso e ... se descobriram mulheres de VERDADE através do parto.
Acho que tem algo haver com crescimento espiritual....
Enfim, assunto que dá pano para manga!
Parabéns!
Nossa, Geo! Parabéns!!! Texto lindo e muito esclarecedor... Além de tudo, interrogativo... o que é melhor! Forte abraço! Dani (Do Alexandre,mãe do Pedro e do Davi)
Minha querida Geo!
Transformou sua entrega e luta pelo parto em uma bandeira pessoal! Superou a cicatriz física e com seu acolhimento em nossa rede proporciona TANTOS outros partos e leites e colos...
Você é especial e seu VBAC está garantido!
Parabéns pela lucidez e superação!
De fato é complexo definir por que cada uma enxerga as coisas de um modo, mas aí resite o mistério e talvez a "graça" da coisa.
Sou sua fã desde sempre, querida doulanda!
Beijos pra vc e seus meninos.
Pessoal, muito obrigada pelos comentários! Em especial fique feliz com um comentário feminino. Acho tão bom homem que não se intimidase entregaram à vida mesmo sem apoio à gestação, e ressurgiram. com a força do feminino e aproveita disto p/ crescer junto!
Letícia, tb conheço muitas mulheres que Acho q estabilidade ajuda, mas não é este o ponto que gera a entrega. Se fosse, as casadas não estariam aí lotadas de cesas eletivas. Qual é o ponto? Naõ sei! o espiritual é uma boa opção...
beijos gratos
geozeli
Geo!!!!
Eu beijaria os pés da Geozeli, nåo da Gisele...hehe
Mãemífera Geo, vc escreve como se falasse com anjos, é, acho que vc fala com eles sim. Lúcida, consciente, informativa, minha amigona!Parabéns por trazer tão bem essa discussão. Pq parimos ou não?! Vc vai saber, tenho certeza. Bj nos pés e na próxima barriga
Tata é meu apelido de infância. Geo, aqui é Daphne, amiga de roda, de chás, de pic nic, de Sofia e muitas outras coisas. Talvez de outras vidas...bleaz
Doulanda do filho???! É isso! É essa a chave para a paciência infinita da maternagem natural e humanizada!
Definição perfeita! Amei!
Beijo, beijo!
Yuri
Postar um comentário