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Não tem jeito. Quando o bebê nasce, é dedicação exclusiva. Parece incrível que um pedacinho de gente, tão pequenino, possa tomar tanto espaço na nossa vida, mas é assim. O nascimento do filhote desperta na gente um instinto de leoa, um sentimento de galinha-mãe mesmo, que tudo o que deseja é botar a cria debaixo da asa. É um sentimento muito intenso, e transformador também. Muita coisa bacana surge daí, muitas reavaliações de vida, muitas mudanças para melhor. A gente descobre uma força que nem sabia que tinha, porque não há o que não se possa, quando se faz por um filho.
No começo, a gente precisa mesmo desse tempo de lamber a cria à vontade, de levar as coisas estilo canguru, de doar-se sem pensar em nada além daquele bichinho tão frágil, tão dependente, que a vida nos encarregou de gestar, parir, amar e cuidar.
Acontece que às vezes a gente se esquece que tem uma terceira parte nesse cenário, em geral ali, meio de escanteio, esperando pra ver quando é que a gente vai dar um espacinho para ele entrar em campo e comprar a briga junto com a gente: o pai.
É, ele mesmo. Aquele cara bacana que sonhou o filhote contigo, que dividiu os planos, que sentiu os chutinhos colocando a mão na barriga, que cronometrou as contrações pra ver se já estava noa hora, que roeu as unhas que tinha e as que não tinha durante o trabalho de parto, e que depois que o bichinho finalmente chegou ao mundo, ficou ali tentando descobrir como penetrar essa relação tão simbiótica, tão instintiva, que é a relação mãe/filho.
A verdade é que as coisas podem ficar bem mais fáceis se a gente der uma ajudinha nesse processo. Se estender a mão e convidá-lo para participar, para descobrir junto com a gente. Pode ser que ele não faça tudo do jeito que a gente gostaria. É, a fralda pode ficar meio torta, o banheiro pode ficar uma lagoa só depois do banho, o body pode não combinar com a meinha, nem a meinha com a touca de lã, mas tudo bem. Ele vai fazer o melhor, e do jeito dele, não do nosso.
É importante dar esse espaço para a relação pai/filho também. Às vezes a gente fica mesmo tão absorvida pelo instinto de cuidar, proteger e resguardar a cria que acaba defendendo até do que não é ameaça. Como um colo que pode não ser o nosso, mas é também cheio de amor, ternura e aconchego. E sim, protege também.
Nessas horas, vale a pena lembrar que nada é disputa. Não é uma corrida para ver quem é mais importante para o bebê. Pai é pai, mãe é mãe. São relações diferentes, sentimentos diferentes. Parece óbvio, mas às vezes a gente esquece.
"Colo demais estraga!", "Seu filho vai ficar mimado!", "Continua dando colo, que você vai ver quando ele estiver grande!", "Deixe ele chorando no berço, ninguém morre de chorar um pouquinho!", "Você precisa ensinar o seu filho a ficar no berço, senão ele vai ficar muito dependente de você!".
Que levante a mão a mãe que nunca ouviu uma das frases acima (ou pior, como no meu caso, todas elas, e vez ou outra até combinadas, uma na rabeira da outra, uma tristeza). É fogo!
Eu sou daquela turma esquisita que acha que lugar de bebê é no colo da mãe. Que acredita que bebês não são mimados, não têm "maus hábitos", não são manipuladores nem jogam com os sentimentos e comportamentos da mãe. Sou daquele tipo curioso que acredita que bebês têm necessidade de aconchego, de toque, de proximidade, e só. Simples, não? Parece até formula mágica. Mas o pior é que funciona.
Imagine só que seu bebê passou nove meses no aconchego da sua barriga, um lugar escuro, silencioso, aquecido, onde ele tinha todas as suas necessidades prontamente atendidas e sentia-se absolutamente satisfeito e protegido. De repente, sem aviso, ele se vê às voltas com um mundo repleto de cores, luzes, sons desconhecidos, texturas estranhas, sensações novas como frio, fome, sede, dor. É tudo assustadoramente novo para eles, que se sentem desamparados diante desse turbilhão. E pense bem, você não se sentiria? É por isso que eles pedem pela mãe, que é a referência mais forte que eles conhecem.
Eu não acredito em "carinho demais". Acho que carinho, proximidade, toque, é sempre bem-vindo, nunca é exagero. Quero que minhas filhas aprendam que não estão sozinhas no mundo, que podem contar comigo sempre que precisarem, e que pedir colo não é demonstração de fraqueza. Pelo contrário. Precisa coragem para aceitar uma mão estendida, num mundo tão aficcionado pela idéia de que independência, quanto mais e mais cedo, melhor.
Eu nunca neguei colo às minhas filhas. Pelo contrário, dei (e dou) toda a atenção que elas demonstram desejar e precisar. Porque também disso se alimenta o ser humano. Não adianta só suprir as necessidades práticas, físicas, objetivas. É preciso também acarinhar, dar do nosso tempo, doar-se do mais fundo da alma.
Bebês são seres naturalmente dependentes, naturalmente apegados, e não há nada de errado nisso. Há hora para tudo na vida, há um momento certo para as coisas. E nossos filhos também, um belo dia, quando menos esperarmos, estarão soltando as mãos e dando seus passos firmes sem sequer olhar para trás. E nessa hora, nós é que ficaremos ali, sem conseguir disfarçar um tantinho de desamparo, uma vontade doída de mais colo, de mais pele, de mais aconchego. E uma vontade incontrolável de fazer o tempo voltar.
Imagem de Gustav Klimt, em http://coresdoaquario.blogspot.com/
A gente se torna mãe desde o momento em que percebe ou intui que tem uma sementinha crescendo dentro de si. Desde o primeiro enjôo, desejo ou seja lá qual tenha sido a primeira reação do organismo à gravidez, a gente já se apaixona por aquele serzinho que não tem cara, não tem forma, mas já se faz presente dentro da gente com uma intensidade que nem que a gente quisesse, saberia dimensionar. A maternidade nos invade desde o primeiro momento, de uma forma absoluta e irrevogável.
Com os homens, a coisa acontece de um jeito diferente. Não é que eles não se apaixonem pelos filhos, nem que não sintam essa ligação sublime com a cria, mas é diferente. Para o pai, é mais complicado sentir o filho desde o começo. Ele se alegra, curte imaginar, escolher o nome, sentir o chute colocando a mão na barriga da mãe, envolve-se nos planos, na preparação para aquela futura presença tão especial. Mas em geral, a coisa toda para ele é bastante abstrata. O homem não sente o processo dentro de si. Ele vê a coisa acontecendo de fora. E isso faz toda a diferença.
Aí, um belo dia, o bichinho nasce. A vida de cabeça para baixo. E a gente, desde o primeiro contato, vive esse sentimento maluco, de olhar bem fundo naqueles olhinhos tão puros e tão brilhantes, e sentir como se já conhecesse aquela criaturinha desde o começo dos tempos. É imediato. A gente se sente invadida por um instinto animal, um desejo primitivo de proteger aquele pacotinho tão frágil, tão suscetível, tão desamparado diante do mundo. A gente não se torna mãe, porque já era. Mesmo sem saber. E os pais, em geral, ficam meio perdidos diante dessa simbiose, sem saber muito bem onde se encaixar, como fazer parte daquela ligação tão misteriosa e tão sublime.
É aí que vale a pena a gente olhar com carinho para o lado e fazer um esforço para entender que há várias maneiras de se vivenciar esse milagre que é a chegada de um pequenino ao mundo. A gente tem que lembrar que o pai vive o processo de chegada de um filho de um jeito diferente. E diferente é só isso mesmo: diferente. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente.
E diferente também pode ser bacana. Porque se o amor incondicional que o filhote sente ao aconchegar-se no colo materno lhe traz segurança e paz, o amor aprendiz, o amor em processo, o amor de descoberta que sente ao ser acolhido pelo pai também pode lhe trazer um infinito. É um amor que não vem pronto, que não tem receita. Um laço também inquebrantável que vai sendo construído ali, na relação, no dia-a-dia, a cada pequeno traço de um a ser revelado para o outro.
Quando eu vejo minhas pimentas a aconchegarem-se as duas a um só tempo no colo do pai, quase a reinventar as leis do tempo e do espaço, sinto-me invadida por uma ternura tão grande que chega a doer. É que percebo, assim de repente, como estando distraída, a grandeza de tudo o que viemos construindo para elas, e que é, no final das contas, tudo o que de mais belo e especial se pode desejar a uma criança: uma teia de cuidado, de doçura, de aconchego. Uma rede de amor, que as alcançará sempre, onde quer que estejam.
Imagem: http://ferrus.blogs.sapo.pt/
Tenho certeza que em cada mulher há uma porção loba. Lembro-me que na noite anterior ao meu parto senti uma estranha vontade de andar de quatro na terra. Levantei da cama confortável para brincar com as estrelas que salpicavam o céu de uma noite de 19 de fevereiro.
Sempre tive este espírito selvagem que busca o que é diferente, rompe paradigmas. Por vezes tentei “informar-me” a respeito do mundo. Rasguei as roupas e aprendi a viver melhor com as estações adequando-se a minha natureza. Recolho-me dentro de mim na lua nova, expando-me na crescente, transbordo-me na cheia para depois contrair-me para meu interior.
Em cada linha da minha existência, intensificado depois da cria, enchi-me de boas certezas e vi ressurgir de dentro de mim a mágica loba. Hoje sei que a febre é o fogo que rompe com paradigmas de encarnações e processos; que criança levada é sinônimo de seres que estão aprendendo a usar os membros para fortalecer a mente. Nada de estímulos demais.
Basta um quintal com gramas e gravetos; um cachorro a correr pelo jardim sendo a grande companhia. A felicidade rima com simplicidade. Dormir junto não faz seres dependentes, afinal, passamos a vida para nutrir essa ausência de calor que encontramos ao dormir de conchinha com alguém. Se morássemos na mata, um filhote sozinho seria presa fácil. Porque não dormir todos juntos.
E quanto a intimidade, dormir junto com a cria estimula a criatividade de encontrar outros lugares para namorar. Às vezes no jardim, olhando a bela lua. Porque leite em pó, bicos artificiais se a natureza nos dotou com equipamentos tão confortáveis e saudáveis que nenhum homem será capaz de imitar?
Amamentar como ato de amor, sabendo que olhar nos olhos e tocar a pele nutre o corpo e a alma. A maternidade ativa nos transforma em lobas, em bruxas nos empurrando diariamente para o abismo da confiança em nós mesmos. Diante do abismo estique as asas e voe para além do conhecido para habitar um lugar onde o feminino baila e uiva para a lua.
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