Abaixada no chão, recolhendo cacos de um prato de macarrão atirado, cheia de lágrimas nos olhos e com o coração apertado, desejei voltar para aquele 04 de junho de 2006 e simplesmente apagar aquela fecundação. Como seria minha vida se eu não fosse mãe?
Em segundos me lembrei, como em um filme acelerado: o teste de gravidez positivo no banheiro do trabalho; a alegria da minha mãe ao se saber avó; os enjôos matinais; a barriga que demorou a crescer; a primeira vez que escutei um acelerado coração batento no compasso do meu; a barriga que mudou o eixo do meu corpo, da minha vida e me deu um novo estado, um estado civil e uma nova responsabilidade; a minha dedicação em meditar todos os dias e cantar o mantra, música tema de seu nascimento, tocando de leve o umbigo ; a sensação de acariciar aquela barriga luminosa; a decisão pelo parto domiciliar; o mágico dia de carnaval que ele escoregou para fora deste mundo; a primeira mamada; o primeiro banho; o sentimento de êxtase; o primeiro sorriso; as primeiras e passageiras cólicas; o primeiro engatinhar; os primeiros passos, as primeiras palavras; a primeira papinha; a primeira virose.
Como poderia eu viver sem tudo isso? Olhando a vida de trás para frente só posso dizer que, mesmo nos dias de chuva, sou melhor do que era outrora. A maternidade me trouxe uma nova dimensão humana e espiritual. Me fez colocar em prática todas as rezas, pensamentos, técnicas e teorias; mostrou-me o quão paciente podia ser, o quão amorosa e, principalmente, o tanto que sou feliz. Ela me mostrou que ser mamífera estava no meu sangue e nunca mais me deixou adormecer nas ondulações mundanas. Eu mergulhei muito fundo, perdi meu ar, morri para renascer celebrando o casamento com minha natureza primordial, esta conexão que me deu uma nova perspectiva do significado de amar.
Hoje sei que amar de verdade é saber que, embora existam os dias de chuva, o sol sempre está lá a brilhar, esperando apenas que o vento da consciência sopre para longe as nuvens para aquecer e fazer crescer o que é essencial nesta vida.
Recordando minha vida recente como mãe, pude perceber que as dificuldades que vivi são um grão de areia perto do litoral de experiências positivas que conquistei desde então. A mulher selvagem que nasceu e não mais me deixa dormir na ignorância e me lança neste mundo em busca daquilo que é o melhor para mim, para minha família e principalmente para meu filho.
Eu e ele somos grandes companheiros neste momento de nossa experiência terrena, revezando, minuto a minuto o papel de professor e aluno. Enquanto recolhia os cacos do chão, uma vozinha me consolava:
- Mamãe, não choia. Não vô mais fazê isso. Diculpa. Choia não, mamãe. Eu judo você. Queio vê você feiz.
Abracei aquele pequeno ser com a força de todo o meu coração e descobri que se pudesse voltar naquele 04 junho eu faria o que exatamente fiz: me abriria em luz e amor para receber a graça de me fazer mãe. Porque o grande aprendizado está em amar mesmo a face mais obscura daquele que está a seu lado. A perfeição da vida se faz com as pitadas de erros e a celebração dos acertos.
Por isso sei que sou, para ele, a melhor mãe do mundo, porque nos escolhemos mutuamente para este papel. Ele é o filho perfeito em suas infinitas qualidades e defeitos e desde sua chegada a este planeta tenho tido tantos aprendizados condensados que as vezes me falta ar.
E por ele e por mim sou esta metamorfose ambulante em busca da realização integral do meu ser, independentemente dos acontecimentos de minha vida, transformando as dificuldades em tijolos para a construção da ponte que me levará para o infinito de minhas potencialidades. Cada alegria, lágrima e superação que há mais de 2 anos vivi me fizeram mais inteira, íntegra, intensa e selvagem.
Eu amo ser a mamífera que sou e ainda mais a potencialidade daquilo que ainda posso ser.
Foto da fotógrafa Paula Lyn
6 comentários:
Ah vou parar de comentar seus posts... Nós duas somos um pleonasmo!
Até a falta de ar é a mesma...
Costumo dizer que dia 10/07/02 dormi moleca e dia 12/07 amanheci mulher.
Acho que depois que nos tornamos mães, temos a verdadeira noção do que é ser espiritual, do que é abrir mão do que é amar.
Depois deste texto, fico me perguntando... Será que a Kalu quer ter tantos filhos qt eu?
Nesta sociedade egoista existe espaço para uma mulher moderna ter 4 ou 6 filhos?
A minha resposta é que, se nao existe, eu vou mostrar como existir. E sinto que vc tb, Kalu.
Um ghrande beijo!
"e nos escolhemos mutuamente para este papel."
Com os olhos cheios de lágrimas um ctrl+c / ctrl+v é mais fácil... hehehe
Amo teus escritos! Me identifico muito contigo, pelo lado materno e pelo lado espiritual.
Grata por compartilhar esses pensamentos, que tão sempre aqui dentro, mas lendo o que escreves eles se organizam melhor! ;)
Beijinhos
Lívia mamãe escolhida por Uriel
Kalu,
Já me senti tantas vezes assim, já me vi tantas vezes assim "recolhendo cacos no chão"...
E refazendo os cacos do coração...
E cada vez que "remonto" esse quebra-cabeça, ele fica mais bonito, mais colorido, me faz mais feliz...
É tão bom não nos sentirmos sozinhas nessa caminhada...
Bom ler tuas palavras, pois reforça minhas convicções e me dá forças para abraçar cada vez com mais intensidade o "ser mãe" [nem mais, nem menos}, ser plenamente mãe...
Obrigada pelo post!
Beijo grande!
Pérola, assídua no mamíferas, com a pequena filhota ensaiando seu engatinhar e com o filhote encantando com suas aprendizagens...
Kalu
Agora com a Isa de férias da escola, tenho recolhido vários cacos todos os dias...e esses sentimentos que vc está passando tb estou por aqui...mas eu a amo de mais , com todas suas qualidades e defeitos....pq depois , qdo ela está quase dormindo, passa a mão no meu rosto e me beija, fala te amo sussurrando e eu vou ao céu....
Com certeza a maternidade nos faz mil vezes melhor...a cada dia!
Grande beijo querida!
Lindo e emocionante.
As lágrimas sairam dos olhos e da alma quando li o seu texto!
É exatamente o que eu penso! Mesmo na face mais dura não consigo me imaginar sem minha filha! A amo mais por conta dos seus defeitos, pois é ali que ela me mostra que precisa mais de mim, da minha segurança, do meu amor incondicional. E tb espero que ela tb aprenda a me amar mais ainda nos meus defeito, pq amar na qualidade é facil...
Bjocas sempre adimiradas pelos seus textos, Gabi
Eles são seres evoluídos que vieram nos ensinar. Assim q vejo meu filho principalmente depois de reações como essa, pedir desculpas e entender nosso sentimento...
Chorei não sei se pq estou grávida ou pq me vi no seu texto.
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