por: Tata
Recentemente, tivemos aqui no mamíferas uma exaltada discussão sobre partos, escolhas, julgamentos, experiências e tudo mais. Quem acompanha a gente diariamente deve se lembrar. Particularmente, um argumento me chamou bastante atenção, aliás, já ouvi coisas semelhantes em variadas conversas sobre maternidade, parto, gravidez, etc. Algo do tipo "eu já tive uma cesárea, já vivi um parto que não foi o que desejei, não posso fazer o tempo voltar, por que continuar sofrendo com isso? pra quê ler e ficar pensando a respeito, pra que remexer na ferida? melhor deixar pra lá, e seguir em frente, o que importa é daqui pra frente!".
Pois esse argumento ficou martelando, dias e dias. Por um lado, concordo com ele. A vida não foi feita pra gente ficar sofrendo, alimentando mágoas e frustrações, cultivando dores. O que já aconteceu é passado, e não pode ser mais transformado. Inquestionável. Por outro lado, se a gente não tem coragem de olhar fundo para cada tropeço, se não se permite viver as dores até a última gota sem deixar pra lá, de que valem as experiências que vivemos? Pra mim, o caminho bacana de se percorrer é bem claro: é preciso voltar-se para dentro, pensar a respeito, compreender cada experiência que vivemos. Por mais que doa, e sim, muitas vezes dói. Mas é uma dor que serve pra gente aprender com o que passou. Serve pra gente fazer diferente de uma próxima vez.
Diz a sabedoria popular que não adianta chorar sobre o leite derramado. Caso perdido, bola pra frente. Bem, acho que esse raciocínio se encaixa nas experiências mais cotidianas, nos pequenos tropeços de todos os dias. Mas não dá pra reduzir assim a questão quando se fala em um parto sonhado e não realizado, por exemplo. Quando a gente vive algo assim, não adianta querer simplesmente 'sacudir a poeira e dar a volta por cima', não é tão simples, não é pra ser tão simples. Às vezes, a gente precisa olhar com cuidado, viver o luto pelo sonho perdido, não com autopiedade, não como exercício de autoflagelamento. Mas como oportunidade de aprendizado, de crescimento. Quando alguma coisa assim, importante, sai do planejado, a gente precisa parar pra pensar, compreender as escolhas e atitudes que fizeram acontecer daquele jeito. Não é chorar sobre o leite derramado. É olhar pra trás, sacar porque foi que o leite derramou, e o que eu podia ter feito diferente, para que ele não tivesse derramado. Aquele leite já se foi, não vou mais botar de volta no jarro, mas se eu aprender com a experiência, o próximo que eu tiver nas mãos, sei que não vou derramar.
A verdade é que estar vivo vale muito pouco se a gente não se permite mergulhar em cada experiência, aprender com cada flor, e com cada espinho que vem cruzar o nosso caminho. Tudo o que a gente vive, seja alegria ou tristeza, chega-nos às mãos como um presente divino: uma oportunidade de crescer, de tornar-se alguém mais maduro, mais consciente, mais capaz. Alguém que pode fazer diferente da próxima vez. Que pode fazer melhor.
A gente faz o melhor possível, trabalha com o que se é, com o que se tem nas mãos, a cada momento, porque a vida acontece no presente. Mas a cada dia, esse 'melhor possível' pode ser um bocadinho melhor. Basta a gente se permitir.
Posso falar da minha experiência pessoal. Eu vivi um primeiro parto que, apesar de ter sido uma grande conquista diante das circunstâncias (gêmeas nascidas de parto normal, com 40 semanas e meia de gestação, após um trabalho de parto de quase 14 horas), passou longe do que eu sonhava que seria. Se fiquei frustrada? Ora, é claro que sim! Seria infantil da minha parte dizer que não. Minha frustração não tinha absolutamente nada a ver com meus sentimentos pelas minhas filhas. A chegada delas me fez imensamente feliz, extasiada, realizada. Mas o parto, não.
E o que foi que eu fiz? Bem, como lindamente diria minha companheira mamífera Kalu, trabalhei minha pérola. Não neguei minha contrariedade, olhei para dentro, esforcei-me para compreender meus sentimentos, elaborá-los, tornar-me consciente das escolhas que tinha feito, e daquelas que tinha deixado que fizessem por mim. Não, não foi fácil. Mas foi necessário. Sem esse mergulho na experiência em parte dolorida que tinha vivido, eu jamais poderia ter vivido um segundo parto redentor, de sonho, orgásmico, trazendo minha bebê ao mundo de cócoras, na sala da minha casa, em meio a muita tranquilidade e amor, sem intervenções ou atropelos. Tudo o que havia sonhado na primeira gravidez, mas não pude viver.
Depois do meu primeiro parto, eu poderia ter me fechado na concha, ter me escondido sob o manto do "vamos em frente que o que passou, passou". Poderia ter pensado que não valia a pena sofrer por algo que já havia acontecido e não podia mais ser transformado, poderia ter empunhado freneticamente a bandeira do "não sou menos mãe porque não pari assim e assado". Eu poderia ter calado minha dor no fundo do peito, esperado que ela adormecesse. Hoje, fico feliz por não tê-lo feito. Eu teria perdido uma fantástica oportunidade que me batia à porta.
Eu hoje vejo meu primeiro parto com outro olhar. Tenho carinho pela experiência, e uma gratidão imensa. Agradeço por tudo o que aprendi. Um aprendizado que não foi fácil, não foi simples, foi doloroso e exigiu muito de mim. Mas valeu a pena. Disso, não tenho a menor dúvida.
Relembro Sartre, que afinal estava com a razão, quando dizia: "Não importa o que fizeram de mim. Importa o que eu faço com o que fizeram de mim".
Recentemente, tivemos aqui no mamíferas uma exaltada discussão sobre partos, escolhas, julgamentos, experiências e tudo mais. Quem acompanha a gente diariamente deve se lembrar. Particularmente, um argumento me chamou bastante atenção, aliás, já ouvi coisas semelhantes em variadas conversas sobre maternidade, parto, gravidez, etc. Algo do tipo "eu já tive uma cesárea, já vivi um parto que não foi o que desejei, não posso fazer o tempo voltar, por que continuar sofrendo com isso? pra quê ler e ficar pensando a respeito, pra que remexer na ferida? melhor deixar pra lá, e seguir em frente, o que importa é daqui pra frente!".
Pois esse argumento ficou martelando, dias e dias. Por um lado, concordo com ele. A vida não foi feita pra gente ficar sofrendo, alimentando mágoas e frustrações, cultivando dores. O que já aconteceu é passado, e não pode ser mais transformado. Inquestionável. Por outro lado, se a gente não tem coragem de olhar fundo para cada tropeço, se não se permite viver as dores até a última gota sem deixar pra lá, de que valem as experiências que vivemos? Pra mim, o caminho bacana de se percorrer é bem claro: é preciso voltar-se para dentro, pensar a respeito, compreender cada experiência que vivemos. Por mais que doa, e sim, muitas vezes dói. Mas é uma dor que serve pra gente aprender com o que passou. Serve pra gente fazer diferente de uma próxima vez.
Diz a sabedoria popular que não adianta chorar sobre o leite derramado. Caso perdido, bola pra frente. Bem, acho que esse raciocínio se encaixa nas experiências mais cotidianas, nos pequenos tropeços de todos os dias. Mas não dá pra reduzir assim a questão quando se fala em um parto sonhado e não realizado, por exemplo. Quando a gente vive algo assim, não adianta querer simplesmente 'sacudir a poeira e dar a volta por cima', não é tão simples, não é pra ser tão simples. Às vezes, a gente precisa olhar com cuidado, viver o luto pelo sonho perdido, não com autopiedade, não como exercício de autoflagelamento. Mas como oportunidade de aprendizado, de crescimento. Quando alguma coisa assim, importante, sai do planejado, a gente precisa parar pra pensar, compreender as escolhas e atitudes que fizeram acontecer daquele jeito. Não é chorar sobre o leite derramado. É olhar pra trás, sacar porque foi que o leite derramou, e o que eu podia ter feito diferente, para que ele não tivesse derramado. Aquele leite já se foi, não vou mais botar de volta no jarro, mas se eu aprender com a experiência, o próximo que eu tiver nas mãos, sei que não vou derramar.
A verdade é que estar vivo vale muito pouco se a gente não se permite mergulhar em cada experiência, aprender com cada flor, e com cada espinho que vem cruzar o nosso caminho. Tudo o que a gente vive, seja alegria ou tristeza, chega-nos às mãos como um presente divino: uma oportunidade de crescer, de tornar-se alguém mais maduro, mais consciente, mais capaz. Alguém que pode fazer diferente da próxima vez. Que pode fazer melhor.
A gente faz o melhor possível, trabalha com o que se é, com o que se tem nas mãos, a cada momento, porque a vida acontece no presente. Mas a cada dia, esse 'melhor possível' pode ser um bocadinho melhor. Basta a gente se permitir.
Posso falar da minha experiência pessoal. Eu vivi um primeiro parto que, apesar de ter sido uma grande conquista diante das circunstâncias (gêmeas nascidas de parto normal, com 40 semanas e meia de gestação, após um trabalho de parto de quase 14 horas), passou longe do que eu sonhava que seria. Se fiquei frustrada? Ora, é claro que sim! Seria infantil da minha parte dizer que não. Minha frustração não tinha absolutamente nada a ver com meus sentimentos pelas minhas filhas. A chegada delas me fez imensamente feliz, extasiada, realizada. Mas o parto, não.
E o que foi que eu fiz? Bem, como lindamente diria minha companheira mamífera Kalu, trabalhei minha pérola. Não neguei minha contrariedade, olhei para dentro, esforcei-me para compreender meus sentimentos, elaborá-los, tornar-me consciente das escolhas que tinha feito, e daquelas que tinha deixado que fizessem por mim. Não, não foi fácil. Mas foi necessário. Sem esse mergulho na experiência em parte dolorida que tinha vivido, eu jamais poderia ter vivido um segundo parto redentor, de sonho, orgásmico, trazendo minha bebê ao mundo de cócoras, na sala da minha casa, em meio a muita tranquilidade e amor, sem intervenções ou atropelos. Tudo o que havia sonhado na primeira gravidez, mas não pude viver.
Depois do meu primeiro parto, eu poderia ter me fechado na concha, ter me escondido sob o manto do "vamos em frente que o que passou, passou". Poderia ter pensado que não valia a pena sofrer por algo que já havia acontecido e não podia mais ser transformado, poderia ter empunhado freneticamente a bandeira do "não sou menos mãe porque não pari assim e assado". Eu poderia ter calado minha dor no fundo do peito, esperado que ela adormecesse. Hoje, fico feliz por não tê-lo feito. Eu teria perdido uma fantástica oportunidade que me batia à porta.
Eu hoje vejo meu primeiro parto com outro olhar. Tenho carinho pela experiência, e uma gratidão imensa. Agradeço por tudo o que aprendi. Um aprendizado que não foi fácil, não foi simples, foi doloroso e exigiu muito de mim. Mas valeu a pena. Disso, não tenho a menor dúvida.
Relembro Sartre, que afinal estava com a razão, quando dizia: "Não importa o que fizeram de mim. Importa o que eu faço com o que fizeram de mim".
Imagem: http://pierrebarth.wordpress.com
6 comentários:
Concordo com cada palavra, me sinto da mesma maneira que tu, lindo e oportuno texto!!!
Bjão.
Tatá, as coisas que você escreve são inspiradoras! Nos induzem a refletir pra crescer, mas tudo de uma maneira tão leve e gostosa!
Parabéns pelo texto, pela forma que você usa as palavras...
Beijo em você e nas meninas!
Quando fiquei grávida da Iaiá tinha um sentimento de medo e de força ao mesmo tempo. A força foi se sobrepondo ao medo com o tempo, graças ao esclarecimento que tive por meio da minha obstetra e de iniciativas como as do 'mamíferas': idéias, considerações e depoimentos de pessoas reais, de casos reais, humanos e humanizados.
Meu parto foi melhor do que eu poderia querer e imaginar que fosse possível, foi uma experiência natural e maravilhosa de uma mãe que fazia - e se fazia - nascer. Mas numa cultura onde o parto aparece sempre como algo roteirizado, com intervenções assépticas e anestésicas por um lado ou com dores e agonias dilacerantes de outro, entendo a opção de muitas mulheres pela cesárea, por acreditar ou por realmente precisar de uma 'segurança'.
Talvez fosse diferente se tivessem acesso a essa outra versão do parto, esse que vc descreve, de sonho real, orgástico, pleno, sublime. Ele é possível, mas tem que ser construído a cada dia.
Acredito que muitas outras mães também encontram aqui um lugar onde podem se fortalecer e se inspirar, dividir os prazeres, alegrias, e também as angústias e dúvidas que povoam esse momento nas nossas vidas e todos que o seguem - muitos e muitos. rsrs
Parabéns pelo blog, que virei fã, e pelo post, Tata!
É isso aí, Tata! Eu acompanho o blogue e, claro, lembro da exaltação dos discursos.
Toda mudança dói. A pessoa lê e confronta-se com aquilo imediatamente justo porque aquele discurso suscitou uma mudança no interior, num lugar que ela não alcança interferir. E a mágica do "o que eu era há cinco minutos já não sou mais agora, porque penso" aconteceu.
É isso aí mesmo, acho que usar o discurso do leite derramado para assuntos sérios é outra forma sorrateira de fuga.
Um abraço,
Michelle
Nao adianta chorar o leite derramado. Mas menos ainda adianta deixa-lo esparramado, melando o chao e o sapato toda vez que vc passar por la. Nao olhar, nao ver, nao significa curar.
Enxugar o leite derramado com reflexao é a unica coisa que pode cicatrizar. Pq a cicatriz e a dor, literalmente existem.
Perdoar e se perdoar é algo que leva tempo. Nao pensar no acontecido, nao resolve.
Bjks
SIM CLARO! Mas depois que você já mergulhou na dor, trabalhou a pérola e já aprendeu o que tinha que aprender com aquilo, não é mais necessário voltar ao MESMO assunto toda semana é? Acho que é natural que as meninas que não estão grávidas e nem planejando um novo bebê se disinteressem um pouco do assunto parto natural aqui, no meu caso foi isso, eu literalmente mergulhei na dor para entender e aceitar o meu parto como foi (minha terapeuta que o diga)e agora já estou legal, então não precso ficar me martirizando com isso o resto da vida já que a maternidade é mais do que o momento do parto!!! Espero que vcs entendam eu disse que não leio mais posts sobre parto porque o meu já foi e não vou ter outro filho, mas sou super a favor da divulgação do parto natural e da amamentação que vocês fazem aqui, só que como meu tempo é escasso prefiro ler aqui as coisas que eu ainda posso fazer de bom na criação do meu "cesarinho"!! Bjs a todas!!
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