Bicho selvagem

por: Kalu

Amo ser bicho selvagem. Pés descalços na terra, correr atrás da cria, deitar na grama e ver o céu. Adoro colocar meus peitos para fora e saciar a fome do meu filhote, sem pensar se ele tem 3 meses ou 3 anos. Adoro jogar fora as teorias e sentir a maternidade dentro do meu peito e descobrir que a birra não é nenhum bicho de sete cabeças, mas apenas um pedido de aconchego,

E nunca me senti tão bicho selvagem do que quando estava para parir. Primeiro a vontade louca de namorar com aquele imenso barrigão. Depois, sem muitas explicações, pulei como uma selvagem no quintal, agachada como um sapo. Meu marido olhava ao longe e me perguntava: o que fazes aí, louca mulher? Eu nada dizia e só pulava mais e mais, celebrando as estrelas que deram sinal uma vez que a chuva se foi após de meses em que esteve despencando sem parar.

E a noite não conseguia dormir. Queria caminhar, correr, dançar. E como uma mulher selvagem, nua no quintal eu fiz. E durante meu trabalho de parto, quis ficar sozinha, ouvindo mantras e dobrando roupinhas. Até que a bolsa rompeu e a presença feminina para aparar meu rebento chegou.

Que força incrível sentir meu corpo se abrir, pétala por pétala para revelar a pérola que com meus fios de cornicópia teci. Segurá-lo nos braços com cheiro das minhas entranhas, ainda ligado ao cordão. E imediatamente, sem muito pensar, dar meus seios e regozijar no prazer de ver meu leite descer naquela boca pequena e sedenta.

Dar de mamar em qualquer lugar, sem paninhos, sem me trancafiar ou isolar do mundo. Por que somos mamíferos. Ser mamífera é dar peito, sem muito conceito, mas com a essência. Sou bicho selvagem e não me permito domar nem por obstetras, nem por pediatras. Tenho orgulho de ser assim, conectada a minha natureza, aos meus ciclos hormônios, parir sem drogas ou cortes, sem medo de me entregar a dor ou ao prazer.

E vejo meu pequeno selvagem conectar-se com a sua essência, sabendo quando a lua está cheia é para os anjos brincarem de bola ou quando céu está escuro, a lua está de olhos fechados. Ele sabe quando troveja, chove, quando os pássaros revoam vem água do céu. E sabe pedir peito para adormecer o menino que cresce sem pudor e me dar um gole do bebê que se esvai no tempo.

E como selvagem celebro o tempo como um presente divino que vivo com as entranhas, com coração na ponta do dedo a declamar minha paixão pela maternidade.