por: Tata
É difícil a gente reconhecer a fronteira entre aconselhar alguém que a gente gosta a cair fora de um caminho que a gente sabe que é roubada, e invadir um espaço que é do outro, desrespeitar seu direito de tomar suas próprias decisões e seguir a sua própria estrada.
Eu, quando tenho uma amiga grávida com dúvidas em relação ao parto, sempre fico me roendo por dentro, sem saber se aconselho, se dou indicações, ou se espero a pessoa me pedir opinião pra dizer qualquer coisa.
Acabei chegando a um meio-termo: quando são pessoas bem próximas e queridas, com quem tenho mais liberdade, me dou o direito de falar o que penso. Com cuidado, com carinho, mas não douro a pílula, não. Já com pessoas mais distantes, com quem não tenho tanta intimidade, espero que venham me pedir opinião. Se pedem, eu digo o que penso. Se não, fico na minha.
É, às vezes é difícil. É duro ficar ouvindo um papo pra lá de equivocado, como me aconteceu outro dia, quando uma vizinha grávida começou a me contar sobre o parto da primeira filha, uma "cesárea de emergência" em que o médico demorou três horas para chegar ao hospital. A mulher ainda me finaliza a estória dizendo que "ainda bem que ele fez cesárea, porque a J. tinha três voltas do cordão no pescoço!!! Imagina só se ele tivesse insistido no normal!!!". E eu lá, com cara de paisagem, lembrando dos vários casos de parto normal, e até mesmo domiciliar com cordão enrolado no pescoço que conheço, inclusive um que, de tantas voltas de cordão, nasceu "parecendo um babalorixá" - palavras do obstetra que acompanhou o nascimento, parto natural domiciliar tranquilíssimo.
Mas eu faço um esforço danado, engulo a vontade de pegar a pessoa pelo colarinho e dizer na lata, sem meias palavras: "minha filha, faz favor, vai se informar um pouquinho!!".
É que depois de quebrar muito a cara, pregar muito no deserto e até ouvir uns desaforos aqui e ali, acabei aprendendo. Quebrar paradigmas, romper com padrões de comportamento, tomar as rédeas da própria vida nas mãos, questionar, deixar de ser a "boa menina" que ouve e acata as decisões dos outros, para crescer e começar a defender aquilo que se quer e em que se acredita não é fácil. E algumas pessoas preferem empurrar essas atitudes com a barriga, afinal sob certo ponto de vista é mesmo mais cômodo deixar que decidam por nós. Se eu decido, a responsabilidade é minha. E é preciso, com o perdão da má palavra, ter "culhões" para pensar por si mesmo, tomar as próprias decisões e assumir a responsabilidade por elas.
Quando saquei isso, passei a 'pegar mais leve' e a respeitar mais o tempo alheio. Cada um tem a sua hora de tomar atitudes na vida, de crescer, dar a cara para bater e assumir suas opções e caminhos. Nisso, é cada um por si. É o tipo da coisa que não dá pra fazer pelo outro, por mais que às vezes dê vontade.
O bacana é que aos pouquinhos, com uma palavrinha cuidadosa aqui, uma ajudinha quando solicitada, uma orientação carinhosa, dando do nosso tempo pra quem vale a pena, quando a gente vê, a gente transformou o caminho de alguém.
E aí é que a gente saca que tem que ter a semente. Senão, não adianta regar, que a flor não nasce. Mas quando a semente está lá, é a coisa mais linda de se ver. Uma plantinha despretensiosa, mas que floresce e cresce com uma beleza de dar gosto. Uma beleza que faz todo o resto valer a pena.
Porque não importa quantas vezes a gente falou, orientou, alertou, e não deu em nada. Quando a gente consegue mudar o rumo das coisas pra uma mãe, para um bebê que seja, a alegria é grande feito se a gente tivesse transformado o universo.
E o melhor é que transformou mesmo. Porque é assim que as grandes revoluções acontecem: pouco a pouco, tijolinho por tijolinho.
É. Dá trabalho. Mas quem disse que era fácil?
Imagem: http://www.gettyimages.com.br/
6 comentários:
E o grande barato é sentir nas suas palavras o processo de amadurecimento, de crescimento ao longo do processo de respeitar as individualidades, por mais malucas e "erradas" que nos pareçam, as percepções são diferentes, às vezes o que é certo para uns, faz mal para outros, e vice-versa. Falar em respeitar a opinião e atitude alheia é fácil, difícil é conseguir respeitá-las verdadeiramente, no seu interior. É um sinal de amadurecimento e crescimento grande, eu acho.
beijo
Cris
Quando a gente passa a ser mamífera-materna, quando saímos da matrix, quando conhecemos o parto natural e o vivenciamos, passamos a enxergar o mundo de um jeito diferente. E é difícil conter o entusiasmo, a vontade de partilhar tantos sentimentos bons.
Acredito que daí a dificuldade de se segurar, especialmente diante dos absurdos cesaristas, ainda mais quando são pessoas queridas.
Mas quando a semente é regada e a plantinha cresce, é bom demais!
É eu acho mesmo que cada um tem o seu tempo, seus motivos, suas fraquezas...eu não sei se já vivo completamente fora da matrix, mas respeito meus instintos...faço o que acho certo e não o que me mandam fazer, nem os mais naturebas e nem os mais "cesaristas", acredito que não existe uma verdade absoluta, cada um tem a sua mesmo...sigo meu caminho com minha pequena e acho que estou me saindo muito bem.
Tata, as coisas não são "tão" simples assim. É uma questão de opinião mesmo. Tive 3 filhos, todos de cesárea, por ter um problema nos quadris e não "dar passagem". Tinha dilatação total e um osso do cóccix impedia a passagem, por se projetar muito pra dentro da bacia e podia lacerar a cabeça dos bebês. E tenho um irmão, adulto, com deficiência séria, pq o cordão se enrolou no pescoço e ele ficou sem oxigenação.Coisas da vida. casos e casos...
Olá, Lucia, obrigada pelo comentário. Veja bem, eu nunca disse que era simples. Aliás, pelo contrário. É complicado exatamente porque o processo de gravidez e parto envolve muitos sentimentos, medos muitas vezes infundados, mas muito enraizados, mitos sem fundamento mas repetidos como grandes verdades, enfim.
Não posso falar do seu caso porque com tão poucas informações seria leviandade da minha parte. O que posso te dizer é que ouvimos milhares de explicações mirabolantes para justificar cesáreas que não têm outra razão a não ser a inabilidade do médico em acompanhar um pn, ou motivos ainda menos nobres, como chegar em casa a tempo do jantar ou não perder o final de semana prolongado. Infelizmente, essas coisas acontecem, disfarçadas por blábláblás médicos em geral. Não estou dizendo que é seu caso, como eu disse, não tenho informações suficientes, é algo que só você pode dizer. Sobre o caso do seu irmão, tampouco posso comentar especificamente sem conhecer o caso a fundo, só o que posso te dizer é que muitos casos de paralisia cerebral e problemas semelhantes são creditados ao parto normal erroneamente. Outras tantas vezes são fruto de condução errada de pns, intervenções desnecessárias, etc. Sobre o cordão, o que eu disse é um fato: bebês nascem com cordão enrolado no pescoço todos os dias, de parto normal, lindos e saudáveis. O cordão enrolado por si só não é indicação para cesárea.
forte abraço!!
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